Budismo
A Sabedoria Essencial do Budismo
SUA SANTIDADE SAKYA TRIZIN
A Sabedoria Essencial do Budismo
Trad. Rogel Samuel
A VIDA E O ENSINAMENTO DE UM DOS MAIORES LAMAS,CHEFE SUPREMO DA LINHAGEM SAKYA DO BUDISMO TIBETANO NUMA ENTREVISTA PESSOAL.
Primeira Parte
“Nós Fizemos muitas adivinhações e todas elas diziam a mesma coisa”.
P. Sua Santidade, o senhor poderia dar-nos uma idéia de sua vida?
R. Talvez eu tenha de começar contando a vocês o que aconteceu antes de meu nascimento. O título “Sakya Trizin” significa “Detentor do Trono de Sakya”, e meu avô tinha sido o último Trizin em nossa família. Para ter um filho, meus pais foram em peregrinação ao monte Kailash, ao Nepal, a Lhasa e ao Sul do Tibet, mas não havia o menor sinal de que um filho pudesse nascer. Eles já tinham perdido todas as esperanças quando chegaram ao Mosteiro Nalanda. um importante Mosteiro Sakya, ao norte de Lhasa e contaram aos abades do mosteiro sobre isso. Os chefes ficaram comovidos e muito preocupados, porque a linhagem da nossa família, a linhagem do Palácio Dólma, possuía a tradição do mais esotérico ensinamento Sakya e além disso muitos dos chefes do Mosteiro tinham recebido esses ensinamentos de meu avô, e assim para eles a continuação da nossa família era muito importante[1]. Eles pediram a meus pais para não perderem a esperança e ofereceram um dos seus melhores mestres para viajar com meus pais, o Lama Ngawang Lodro Rinchen. Representava grande perda para o Mosteiro, mas ele era um Lama muito poderoso que poderia realizar todos os diferentes rituais, e em particular suas preces tinham causado o nascimento de crianças para mulheres que eram incapazes de ter filhos antes. Depois disto ele viajou com meus pais, e juntos fizeram muitos rituais e preces para que nascesse um filho. Por fim ficou claro que as preces foram atendidas, e meus pais foram para Tsedong, uma pequena e agradável cidade perto de Shigatse. Decidiu-se que ali era um bom lugar para uma criança nascer, particularmente talvez pela sua reputação como lugar de nascimento de muitos grandes mestres Sakya, como Ngachang Chenpo Ngawang Kunga Rinchen. De fato eu nasci no mesmo quarto de Ngachang Chenpo[2].
Um outro problema nasceu: a sucessão de dias inauspiciosos astrologicamente. Como meus pais queriam que eu nascesse num dia auspicioso, muitas preces foram feitas. E eu não nasci num dia ruim: nasci no primeiro dia do oitavo mês tibetano (7 de setembro, 1945), que é considerado muito bom. Diz-se que foram vistos sobre a casa arco-íris, e uma imagem de Guru Rimpochê foi oferecida a meu pai, o que eram bons sinais[3]: mas naturalmente eu não sabia de nada disto.
P. O que acontece quando um filho nasce na sua família sagrada?
R. A primeira coisa, logo que a criança nasce, é que a letra DHIH, a letra de Manjusri[4] que representa palavra e sabedoria, é escrita na língua da criança com um néctar especial feito de açafrão e muitas outras coisas.
P. Quando o Senhor foi para Sakya?
R. Isto foi depois. Disse que meu nascimento foi celebrado em Tsedong, e foi depois disto que nossa família fez uma pequena peregrinação ao famoso santuário de Guru Rimpochê no Sul do Tibet. Depois disso, nós retornamos a Sakya onde meu nascimento foi celebrado de novo de maneira mais elaborada.
P. Seus pais morreram quando o Senhor ainda era muito pequeno, não?
R. Sim. Eu não posso lembrar-me de minha mãe. Ela morreu quando eu tinha dois ou três anos, mas eu me lembro de sua irmã, minha tia. Ela foi como uma mãe, para mim. Meu pai morreu em 1950, quando eu tinha cinco anos. Disso eu me lembro muito bem.
P. Quantos anos tinha o Senhor quando os seus estudos começaram?
R. Eu tinha cinco anos. Naquele mesmo ano. Lama Ngawang Lodro Rinchen deu-me minha primeira lição sobre o alfabeto. Nós fomos a um especial altar de Manjusri, em Sakya,# onde ele me deu a consagração de Manjusri e Achala, e então foi trazida uma antiga cópia do alfabeto Tibetano escrita em ouro, que era usada especialmente pelos filhos de nossa família. Lama Ngawang leu as letras em frente da Imagem de Manjusri e eu repeti depois dele. Isto era a cerimônia. Depois disto eu tive outro mestre de leitura.
P. Os seus estudos espirituais também começaram?
R. Sim. Tive de memorizar e recitar preces a Manjusri. Lembro-me claramente de tudo isto. Depois da cerimônia tinha de soletrar sete horas por dia, seis dias por semana, por aproximadamente dois anos. Nós Tibetanos dizemos que quanto mais você pratica soletrando, mais rapidamente você estará apto a ler.
P. Onde o Senhor recebia ensinamentos religiosos nesse tempo?
R. Eu recebia consagrações freqüentemente. De fato, eu recebi as bênçãos de Amitayus[5] para longa vida logo que nasci de meu pai. Quando eu tinha quatro anos, recebi a Consagração de Vajra Kila (Dorje Phurba)[6] de meu pai. Lembro-me disso muito claramente. Estava sentado no colo de uma atendente pessoal muito querida, e lembro-me, também, quando meu pai deu a parte irada da Consagração[7]. ele estava usando um chapéu e um costume do dançarino do chapéu preto e fez rituais de dança. Lembro-me mesmo de quem tocou os instrumentos musicais!
P. Onde aconteceu isto?
R. No Palácio Dolma. O Palácio Dolma é um enorme palácio, com três principais santuários e muitas outras salas. Ao todo tem cerca de oitenta quartos, e todos os ensinamentos eram dados numa dessas salas de santuário[8].
P. O Senhor saía algumas vezes do Palácio?
R. Ah. sim, mas não freqüentemente para a cidade. Havia uma área aberta muito ampla de campos ao redor do Palácio, e o rio corria quase perto. Quando não estava estudando, eu costumava sair com um atendente para brincar junto com outras crianças.
P. Quando seus estudos religiosos começaram seriamente?
R. Comecei a estudar leitura no verão de 1950, e no outono fui para o Mosteiro Ngor onde recebi o Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré). Meu Guru para isso foi o Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo. Abade da Khangsar Abadia de Ngor[9].
P. De que maneira o Senhor se lembra dele?
R. Ele era um Lama muito santo, muito avançado espiritualmente, sempre muito calmo, muito lento nos movimentos, e ele fazia tudo com muita perfeição. Naquela época já era muito velho. Ele proferiu o ensinamento em seu próprio quarto para um pequeno grupo, talvez trinta ao todo. Naquele tempo eu era muito pequeno e quase não conseguia ler. Lembro-me de que eu estava no colo de Khangsar Shabdrung, o sucessor Abade, que segurava as páginas em minha frente e assim eu podia ler as preces introdutórias cada dia. Enquanto o Abade estava ensinando a parte Mahayana pude entender bastante bem, mas não pude entender a seção Tântrica muito bem[10]. Fiquei muito tempo com o Abade, e enquanto isso continuava a prática de soletração e leitura, lendo algumas biografias. Fiquei cerca de quatro meses em Ngor. estudando, e depois retornei a Sakya.
No ano seguinte visitei Lhasa pela primeira vez e encontrei Sua Santidade o Dalai Lama que me confirmou como “designado Sakya Trizin”. Fiquei quatro meses em Lhasa visitando muitos mosteiros ali e no Tibet Central. Nós visitamos Nalanda e também Samyé, e então retornamos através do Sul do Tibet onde visitei muitos lugares sagrados e mosteiros em peregrinação[11].
Durante aquelas visitas eu trabalhava duramente memorizando o Hevajratantra, que é o texto básico da prática religiosa Sakya. Então. no início de 1952, fui entronizado numa cerimônia simples; como eu era então muito jovem a entronização total viria mais tarde. Eu tive de recitar completo o Hevajratantra em frente dos monges oficiais e mestres do mosteiro tântrico em Sakya: isto era considerado um teste de habilidade por que todos os monges tinham de passar. Eu tinha apenas seis anos, mas é com felicidade que digo que passei recitando tudo corretamente. Depois disto, assisti à recitação mensal daquele Tantra por todos os monges do Mosteiro Tântrico: era a primeira cerimônia a que eu assistia ali. Depois deixei Sakya para assistir à entronização do Panchen Lama em Shigatse, que durou muitas semanas. Naquela viagem eu já fui com a total dignidade e acompanhamento de um Sakya Trizin.
Retornei a Ngor no verão para receber o Ensinamento Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré) de Khangsar Khenpo[12], durante o qual ele teve de freqüentemente parar para dar outros Ensinamentos, como as instruções de Vajra-Yogini o Zenpa Zidel e muitas outras importantes instruções. Ao todo. o curso durou um ano, até que eu tive de retornar a Sakya. a pedido dos chineses, para algumas palestras. No início de 1953. outra vez retorno a Ngor pai-a retomar os estudos ali, mas infelizmente Khangsar Khenpo faleceu justamente antes que tivesse terminado o total ensinamento o que foi concluído por seu sucessor. Retornei a Sakya antes de setembro porque naquele ano eu testemunharia a cerimônia anual do ritual de Vajra Kila, que ocorre sempre no sétimo mês tibetano. A seguir iniciei um retiro de meditação de Hevajra no Palácio Dolma[13].
P. Foi seu primeiro retiro?
R. Não. Quando recebi o primeiro Lamdré realizei o retiro de Amitaytis e a seguir dei a consagração para meu GLIrU. Khangsar Khenpo. Também no iiitervalo entre os dois ensinamentos de Lamdré realizei o retiro de Bhutadamara, a especial forma de Vajrapani[14]. por um mês. Mas aquele foi o primeiro retiro maior que realizei. Durante o retiro, houve muitas dificuldades. Eu tinha um mestre muito rigoroso e tinha permissão de ver apenas minha tia, meus dois servidores e meu mestre. Ainda que eu estivesse muito bem durante todo o tempo, meu mestre caiu muito doente durante a primeira metade do retiro. Muito, muito doente e nós tínhamos muita dificuldade devido à sua doença. Todavia o retiro terminou com sucesso. E digo “nós” porque minha irmã[15] fazia o mesmo retiro ao mesmo tempo, mas em quartos diferentes, a pouca distância. E claro que não nos era permitido encontrar-nos, mas comunicávamo-nos por notas escritas.
Depois do retiro, meu mestre permaneceu doente por meses e durante este período tive umas longas férias! Fiquei um pouco selvagem e gostava de perambular e fazer o que me agradasse. Minha tia ficou um pouco preocupada e contratou um professor temporário para o qual eu tive de memorizar os textos do Vajra-KiIa, seja para prática diária, seja para o longo ritual.
Então naquele verão de 1954 o sucessor de Kliangsar Khenpo foi convidado a Sakya para dar o Druthab Kuntu, a coleção de meditação tântricas e ensinamentos coligidos e editados pelo primeiro Khyentse Rinpochê[16]. Isto durou três ou quatro meses e foi realmente uma ocasião agradável. Todo o Ensinamento foi dado na casa de verão no nosso parque do Palácio Dolma, e Kungsar Shabdrung falava de uma maneira muito livre. Por aquele tempo, meu professor se recuperou da doença e ensinou-me o ritual de danças que vão com as práticas KiIa. Em setembro, assisti às cerimônias de um mês de Kila. Eu não era o mestre de cerimônias naquele ano. mas tomei parte nas danças e assisti de perto as cerimônias diárias, O próximo passo foi receber o ensinamento Mahakala[17] de Lama Ngawang Lodro Rinchen, depois do que fui direto para retiro para meditar naquele protetor por um mês. Eu recebi mais ensinamento Mahakala de Lama Ngawang, e o Thangtong Nying-Gyud de Drupchen Rinpoche um grande iogue Nyngma e uma encarnação do santo tibetano Thangtong Gyalpo. E logo entrei num retiro de Vajra-Kila por três meses. Durante este tempo, minha irmã, que naquela época tinha dezesseis anos, estava dando o ensinamento de três meses de Lamdré. E nunca tinha feito o retiro de Kila. portanto eu fui consultado a dar-lhe a consagração quando terminasse o retiro. Esta foi a primeira maior consagração que dei. Cerca de sessenta monges vieram receber o Lamdré, mas muitas outras pessoas chegaram para a Consagração Kila: cerca de mil, eu penso. E isso tudo quando eu tinha nove anos.
P. Como o Senhor se lembra de Lama Ngawang Lodro Rinchen?
R. Ele era o Lama que me tinha causado ter renascimento humano[18]. Ele era verdadeiramente um Lama maravilhoso, muito rigoroso a observação dos papéis Vinaya de disciplina, nunca comia depois do almoço, nem usava peles nem camisas com manga. Seus braços estavam sempre descobertos, não importa quão frio fazia e não importa quão frio havia em Sakya — e Sakya era realmente uni lugar muito frio — seu quarto estava sempre morno como se tivesse um aquecimento central. Na sua casa nós podíamos colher flores, nós podíamos buscar água. Em outro lugar nós nunca podíamos achar água durante o inverno: se nós pusessem os água numa garrafa ela logo congelava em poucos minutos e quebrava a garrafa!
P. Sua Santidade teve uma infância árdua. Que diversão o Senhor experimentou?
R. Eu costumava divertir-me indo para os campos ao redor do Palácio. O rio corre quase perto do Palácio e eu gostava muito de ir lá. Lembro-me quando eu assistia à Cerimônia KiIa era acompanhado pelos atendentes até minha casa, vindo da cidade de Sakya. Mas quando eles saíam, logo que eles estavam longe das vistas, eu imediatamente tirava todas as minhas roupas de cerimonial e corria para o rio. Eu gostava de banhar-me ali, mas mesmo em setembro a água era muito, muito fria, terrivelmente fria. E também eu gostava de ir para a casa de verão, no parque. Nós tínhamos um velho gramofone, daquele tipo que você tem de dar corda, e uma pilha de velhos discos, a maioria marchas militares britânicas, mas também algumas canções folclóricas tibetanas, e nós gostávamos muito de ouvir aquilo.
P. O Senhor visitou Lhasa outra vez?
R. Sim, no verão de 1955 recebi muitos ensinamentos esotéricos do Lama Ngawang Lodro Rinchen, e no outono fui outra vez a Lhasa. No inverno recebi alguns pequenos ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama. Mas Lhasa estava mudada. Quando a visitei pela primeira vez, em 1951, encontrei uma capital Tibetana juvenil, tradicional e bela. Mesmo então os chineses já tinham chegado, mas se viam poucos chineses nas ruas. Porém na minha segunda visita em 1955 eu me dirigi de jeep de Shigatse para Lhasa e num jeep chinês! e Lhasa estava cheia de jeeps e caminhões. Havia gente chinesa e mercadorias chinesas em toda parte.
Fiquei cerca de seis meses em Lhasa, dando alguns pequenos ensinamentos e realizando danças sagradas e preces. Foi nesta época que encontrei pela primeira vez o Venerável Jamyang Kliyentse Rinpochê. e me tornei muito próximo dele, visitando-o freqüentemente. Recebi muitos ensinamentos Sakyas dele, mas a maior parte dos ensinamentos que recebi dele foram realmente Nyingmapa[19]. No início do ano seguinte fiz outra visita ao Sul do Tibet e depois retornei a Lhasa onde eu tive de participar do Comitê Preparatório Chinês, junto com Sua Santidade o Dalai Lama e Sua Santidade Gyalwa Karmapa[20] e outros proeminentes Tibetanos. Mas logo as intenções chinesas ficaram muito claras, mas nós sentíamos que era melhor tentar contornar a situação da melhor maneira possível, sem violência. Em todo caso, nossa pátria não era poderosa, no sentido militar do termo.
Retornei para Sakya no verão e depois. naquele mesmo ano, Khyentse Rinpochê veio para Sakya. No inverno, Sua Santidade o Dalai Lama foi à Índia em peregrinação pelo Buddha Jayanti, uma celebração, e eu O encontrei em Shigatse cm seu caminho para a Índia. Pouco depois eu também fui à Índia, em peregrinação, visitando os quatro mais sagrados santuários da peregrinação budista na Índia: Bodh Gaya, Lumbini, Sarnath e Kushinagara[21]. Fiquei na Índia cerca de dois meses e então retornei a Sakya. No ano seguinte, 1957, outra vez cumpri um retiro de meditação de Vajra-KiIa, e outra vez recebi a transmissão do Lamdré, desta vez do Abade do Mosteiro Tântrico em Sakya, o Venerável Jampal Sangpo.
P. Quando ocorreu a completa entronização de Sua Santidade?
R. Foi depois do ano novo, no início de 1959. Foi um acontecimento que exigiu muita preparação. No fim de 1959 a grande dança sagrada dos Protetores da Religião foi executada, e eu as presidi. A seguir, no ano novo, a entronização foi feita.
P. Como é desempenhada?
R. No Mosteiro Tântrico existe um grande pátio em frente ao templo que tem o telhado dourado. Neste templo está guardado o Trono Espiritual de Sakya Pandita. que está colocado ao lado do Trono Temporal de Chogyal Phagpa. Eu tive de sentar-me em cima deste e pregar um texto escrito por Sakya Pandita chamado A intenção do sábio[22].
O ensinamento, que inclui uma pequena explanação, dura três dias. Depois disto, oferecimentos foram feitos por representantes de Sua Santidade o Dalai Lama, por representantes do Panchen Lama, de Sakya e de muitos outros Tibetanos assim como chineses, nesta ocasião. Depois disto foi feita uma grande procissão.
P. isto deve ter ocorrido bem perto da sua vinda para a Índia, não?
R. Sim, eu saí para a Índia quase imediatamente depois.
P. Como o Senhor deixou o Tibet?
R. Foi uma coisa muito complicada. Naquele tempo as tensões estavam muito grandes e o povo só falava de Khampas e de Chineses, de Chineses e de Khampas. Nós fizemos muitas adivinhações e todas diziam a mesma coisa: que o Tibet estaria perdido e que muitas coisas terríveis poderiam acontecer. Mas nós ainda esperávamos. Até que um dia chegaram notícias de uma transmissão de rádio indiana que tinha havido uma batalha em Lhasa e que Sua Santidade o Dalai Lama tinha escapado para o sudoeste de Lhasa. Aí nós ficamos preocupados. Era impossível para mim sair diretamente de Sakya porque havia muitos espiões chineses. Assim eu fiz saber que estava saindo para um retiro num eremitério não muito longe de Sakya. Cheguei lá a salvo e mandei um aviso para minha tia e minha irmã juntarem-se a mim. Dali nós todos saímos de noite.
P. Qual foi a distância percorrida?
R. Não era muito grande a distância de Sakya para a fronteira do Sikkim. Nós chegamos com segurança ali cinco dias depois. Nosso grupo era constituído de apenas oito ou nove pessoas e, devido às circunstância, foi-me impossível levar comigo alguma das muitas coisas preciosas e sagradas que nós tínhamos em Sakya.
No Sikkim permaneci um mês em Lachen onde, lembro-me, comecei a aprender inglês e logo podia dizer algumas palavras simples. Logo recebi uma mensagem de Khyentse Rinpoche que dizia que ele estava muito mal em Gangtok, e assim eu fui até lá. A mensagem, de fato, foi trazida por um médico tibetano que tinha conhecido meu padrasto, ainda que eu não o conhecesse. Khyentse Rinpochie estava muito doente e eu fiz muitas preces para ele, mas ele ficou fraco e faleceu em julho de 1959.
Depois disto eu fui para Darjeeling e no inverno fiz uma peregrinação pela Índia e Nepal, retornando a Kalimpong e Darjeehing no início de 1960. Passei aquele ano e os dois subseqüentes estudando filosofia com um Abade Sakya muito erudito chamado Khenpo Rinchen. Você vê, apesar de eu ter muitos ensinamentos e realizado muitos retiros no Tibet, eu nunca tinha tido tempo para estudar filosofia Mahayana muito bem, assim naqueles três anos aprendi filosofia Madhyamika, Lógica, Prajnaparamita, Abhidharma e outros assuntos. Então, no final de 1962, como houvesse uma guerra entre a Índia e a China, deixei Darjeeling e vim para Mussoorie.
O ano seguinte passei recuperando-me de uma tuberculose, mas no fim de 1963 já estava apto a assistir à Conferência Religiosa em Dharamsala. E em março de 1964 nós fundamos o Centro Sakya para funcionar como nosso principal mosteiro daí em diante, localizado aos pés de Mussoorie. Fui para Mussoorie receber aulas com o Venerável Khenpo Appey, um grande Mestre Sakya. Primeiro estudei os Tantras com ele e recebi muitas profundas explanações que ele tinha recebido de seu próprio mestre, o primeiro Deshung Rinpochê, o grande místico tibetano. Depois também estudei com ele filosofia Madhyamika, e além disso poética, gramática e aritmética. Em 1965 participei da segunda Conferência Religiosa em Bodh Gaya. Em 1966. peregrinei por Sanchi, nas cavernas de Ajanta e Ellora, mas apesar disso meus estudos continuaram ininterruptamente até 1967. quando Khenpo Appey foi para Sikkim. No inverno de 1967 eu ensinei o Lamdré pela primeira vez, em Sarnath. Eu tinha 22 anos, então. Cerca de 400 monges e talvez cerca de 100 leigos budistas participaram No início do ano seguinte iniciamos nossa Instalação de Reabilitação Sakya, em Puruwala, para novecentos refugiados que vieram de Sakya. O lugar foi escolhido pela semelhança física com Sakya do Tibet, apesar de. naturalmente, ser muito mais quente.
Talvez eu devesse mencionar a sucessão de amigos do Oeste que ficaram ao meu lado durante aqueles anos, ajudando-nos no nosso trabalho de reabilitação, e com quem aprendi a falar o inglês.
Em 1970 um trágico acidente de motocicleta nos privou do Venerável Thutop Tulku, um monge jovem e muito capaz que organizou o Centro e a Instalação praticamente sozinho. Desde então, como eu já falava inglês bastante bem, assumi o trabalho de administração. Naquele outono, mudei-me para o Centro Sakya e desde então moro em Rajpur. 1971 e 1972 foram anos muito bons, pois o Venerável Chogye Tri Rinpoclie estava conosco em Rajpur, dando a maior coleção de consagrações, a Gyude Kunta de Jamyang Khyentse Wangpo. Na primavera de 1974 casei-me e logo depois fiz a minha primeira visita ao Ocidente. Durante quatro meses visitei a Suíça, Inglaterra, o Canadá. os Estados Unidos e o Japão, dando ensinamentos religiosos e encontrando imigrantes tibetanos e budistas ocidentais. Em 19 de novembro de 1974 meu filho, Tungse Rinpoche, nasceu.
Na primavera seguinte, fomos em peregrinação ao completamente renovado mosteiro de Chogye Rinpoche em Lumbini, no Nepal. E depois disto eu fiquei dando ensinamento por um mês no nosso mosteiro Sakya em Boudhnath. Kathmandu. Mas para nossa grande tristeza minha tia, que me criou e em cujas decisões e trabalho eu me tinha apoiado durante toda minha meninice, faleceu. Em 976 falei em Darjeeling. Conferi o Druthah Kuntu (Coleção de todas as Sadhanas) em Ladakh, Kashmir, e empreendi uma viagem de ensinamentos nos acampamentos de refugiados do Sul da Índia.
P. E no futuro?
R. Estou pensando muito em dar ensinamento no Ocidente outra vez.
P. Quem Sua Santidade considera ser seus principais Gurus?
R. Meu principal Guru foi Khiangsar Khenpo, de quem recebi o Lamdré. Depois, meu pai; Khyentse Rinpoche; Khansar Shebdrung Rinpoche; Lama Ngawang Lodro Rinchen; e Sakya Khenpo Jampal Sangpo. Num grau menor Phende Khenpo, Drupchen Rinpoche e muitos outros.
A Sabedoria Essencial do Budismo Segunda Parte “Se você quiser saber o seu futuro examine suas ações no presente”
P. Sua Santidade, por que devemos praticar os ensinamentos budistas?
R. Gostaria de responder a esta pergunta descrevendo os três tipos de pessoa que pratica o budismo. Falando de maneira genérica, desde o pequeno inseto até o mais inteligente ser humano tem o seguinte ponto em comum: todos desejam ser felizes e todos desejam evitar o sofrimento. A maioria dos seres humanos não compreende qual é a causa do sofrimento, ou o que causa a felicidade. Os ensinamentos budistas e a sua prática poderão responder a estas questões.
P. Quais as causas do sofrimento e da fel ic idade?
R. O Ratnavali, de Nagarjuna, diz: “Toda ação que nasce do desejo, aversão e ignorância produz sofrimento; toda ação que nasce da ausência de desejo, aversão e ignorância produz felicidade”.
Ora, como eu estava dizendo, existem três tipos de pessoa. Como todos os outros seres, a pessoa mais baixa deseja ser feliz e não deseja nem o sofrimento nem o nascimento nos reinos inferiores de existência, e por isso ela pratica o budismo para criar as causas de renascimento no reino humano ou nos reinos celestiais dos deuses. Ela não tem o poder ou a coragem de deixar completamente o Mundo da Existência. Ela apenas deseja a melhor parte do Mundo da Existência, ela deseja evitar a pior parte, e é por isso que ela pratica a religião budista: para conseguir um renascimento mais elevado.
Agora a espécie de pessoa mediana compreende que a totalidade do Mundo da Existência. não importa onde ela renasça, é sofrimento pela sua própria natureza, assim como o fogo é quente pela sua própria natureza. Ela deseja livrar-se de tudo e atingir o Nirvana, o estado que está completamente além do sofrimento.
A pessoa mais elevada compreende que, assim como ela não deseja o sofrimento, e deseja a felicidade, da mesma forma todos os seres vivos têm os mesmos medos e os mesmos desejos. Ela sabe que, desde que vimos renascendo repetidamente desde um tempo sem princípio no Mundo da Existência, não existe um único ser consciente que não tenha sido nossa mãe ou pai em algum tempo. E como nós estamos tão pertos de todos os seres sencientes, a pessoa elevada é aquela que pratica Budismo a fim de retirar todos esses incontáveis seres do sofrimento.
P. Como devemos praticar?
R. O início de toda prática budista consiste em duas coisas importantes: meditação das Quatro Recordações e Tomada de Refúgio.
As Quatro Recordações são 1, sobre a dificuldade de conseguir um nascimento humano, 2, a impermanência de todas as coisas samsáricas, 3, o sofrimento do Mundo da Existência e 4, a lei do Carma, a qual significa Causa-e-Resultado.
Falando de maneira genérica, (1) é muito difícil nascer como ser humano. Nós pensamos que há muitos seres humanos, mas se nós comparamos com o número dos outros seres compreendemos quão poucos nós somos. Por exemplo, em cada um de nossos corpos existem milhões de germens, micróbios, vírus e assim por diante. Estatisticamente as chances de atingir a vida humana são muito poucas. Em certos casos existem muitos lugares de renascimento que não são bons para um ser, como por exemplo onde ele não será capaz de encontrar os ensinamentos do Buda. Existem Oito Desfavoráveis Lugares de nascimento: 1, nos reinos dos infernos, 2, dos espíritos ávidos e 3, dos animais. 4, dos bárbaros, 5, lugares onde os ensinamentos religiosos são incorretos, 6, onde não existe Buda, 7, certos reinos dos deuses e 8, o reino das pessoas mudas. Mesmo que consigamos um nascimento humano, existem Dez Condições Necessárias: 1, é necessário nascer num lugar em que o Buda tenha vindo, 2, um lugar no qual o Buda realmente pregou a religião, 3, um lugar no qual o ensinamento ainda viva, 4, onde os mestres são com passivos o bastante para ensinar, 5, e onde existam seguidores budistas como monges e praticantes leigos. Também existem cinco circunstâncias externas necessárias para si próprio: a pessoa não deve ter cometido nenhuma das cinco faltas ilimitadas[23], porque isto poderia criar grande obstrução.
Esta dificuldade é explicitada também de outras maneiras. A causa do nascimento humano é a realização de atos virtuosos e a guarda da conduta moral correta; portanto, como só poucas pessoas estão atentas para isto, o nascimento humano tem uma causa muito rara. De acordo com a natureza, é muito mais fácil nascer de qualquer jeito. A dificuldade é ilustrada com um exemplo: imagine uma tartaruga cega vivendo no oceano. Flutuando na superfície do oceano está uma roda de um carro de boi. A tartaruga vem à superfície apenas uma vez a cada Século. Pois bem, há maior chance de a tartaruga colocar sua cabeça no buraco da roda do que nós termos um nascimento cm forma humana.
A Recordação da Impermanência (2) é que. o Buda disse, “Os três reinos da existência são como nuvens no outono; o nascimento e a morte são como os movimentos de um dançarino; a vida dos seres é como uma cascata, como um flash de luz no céu; não pára nem um só momento e logo que começa vai inevitavelmente para sua conclusão”. Tudo é mutável: exteriormente mudam as estações, à primavera se sucede o verão, o outono, o inverno. A criança cresce no adulto e o adulto se torna velho; os cabelos de pretos se tornam brancos, a pele enruga, a vida decai. Isto não é assim? Todas as coisas mudam constantemente. Não existe um único lugar onde alguém pode escapar da impermanência. E como tudo muda constantemente, nós nunca sabemos quando o fim vai acontecer. Uma pessoa pode estar com a saúde perfeita hoje. e já amanhã morrer. Nós sabemos duas coisas acerca da morte: Que é certo ela vir, e que não temos nenhuma idéia de quando ela virá. Isso pode acontecer a qualquer momento, e existem muitas coisas, interna e externamente, que podem ser sua causa. Portanto, se você quiser praticar Budismo, você tem de compreender que tem de começar imediatamente. Você nunca pode estar seguro de amanhã poder fazer qualquer coisa.
P. Como isto nos ajuda? A prática do Budismo vai-nos fazer menos impermanentes?
R. Não nos vai fazer menos impermanentes, mas vai-nos dar a certeza de que, em nossas próximas vidas, teremos menos sofrimentos. A prática do Dharma, da religião, significa resumidamente evitar as ações não virtuosas e realizar as ações virtuosas. Quando você se conduz desta maneira é óbvio que você será feliz no futuro.
P. Isto significa que, se nós esperamos menos desta vida, nós também sofreremos menos?
R. (3) Como eu disse antes, não importa onde você esteja no Mundo da Existência, você estará sofrendo; sofrimento de três tipos: sofrimento do sofrimento, sofrimento da mudança e sofrimento da existência condicionada. O sofrimento do sofrimento aparece quando você tem uma dor de cabeça ou alguma coisa como tal. É o simples sofrimento que qualquer um aceita e pensa que é sofrimento. O sofrimento da mudança é o sofrimento envolvido na percepção da mudança. Você está com os amigos hoje, mas tem que partir; quando você vai, encontra inimigos. Nada é estável, e vendo isto nós experimentamos o sofrimento da mudança. O sofrimento da existência condicionada significa a insatisfatoriedade da atividade mundana. Nós fazemos muitas coisas no mundo, mas nunca estamos realmente satisfeitos. Existem sempre mais coisas a fazer, que nós não podemos fazer e isto nos causa uma frustração que é sofrimento.
No mais baixo dos Seis Reinos estão os Reinos Infernais, com excessivos calor e frio, e os “infernos vizinhos” que são também estados de grande sofrimento, e que duram por um período de tempo incrivelmente longo. A causa desses estados de sofrimento é o ódio. Depois existe o Reino dos Espíritos Ávidos que estão torturados por comida e bebida que eles não conseguem engolir, isto é o resultado do desejo e da avareza, O Reino Animal é bem conhecido por nós e nascer ali é causado pela ignorância. O Reino Humano, também, nós conhecemos. O quinto Reino é dos Semideuses que estão constantemente engajados na guerra contra os deuses devido à inveja e que por isso vão naturalmente sofrer em suas futuras vidas. Os Deuses parecem realmente confortáveis. Eles desfrutam de grandes prazeres e de uma vida imensamente longa, mas cedo ou tarde experimentam a velhice e a morte. Como eles nada fizeram e apenas desfrutaram, eles não criaram o mérito para conseguir um renascimento elevado e vão cair nos estados de grande sofrimento. Os três Reinos Inferiores experimentam exclusivamente o sofrimento do sofrimento; os humanos experimentam todos três, mas principalmente os dois primeiros; enquanto que os deuses sofrem fundamentalmente os últimos dois tipos de sofrimento.
A última das Quatro Recordações é o Carma, a Lei de Causa e Efeito. De um ponto de vista Budista, todas as coisas que temos hoje e todas as coisas que fazemos têm uma causa no passado. De fato é dito que, se você deseja saber o que você foi no passado, deve ver a sua situação presente; se você é rico ou pobre. feio ou belo, isto é resultado das ações passadas. Assim o futuro, se será feliz ou de outra maneira vai depender do que você está fazendo hoje. Todas as coisas que você faz hoje vão produzir um resultado no futuro. Se a raiz de uma árvore é medicinal, as flores, as folhas, a casca , tudo que nasce da árvore será medicinal. E como isto, todo ato que nasça fora do desejo, aversão e ignorância vai produzir felicidade. Se a raiz da árvore é venenosa, então todas as coisas que nascem da árvore vão ser venenosas, assim como as ações do desejo, da aversão e da ignorância produzem sofrimento.
P. Existe uma prática baseada na Lei de Causa e Efeito?
R. A Lei de Causa e Efeito, Carma, é um dos principais ensinamentos do Budismo. Significa que você teria sempre de praticar coisas virtuosas, já que as ações não-virtuosas vão sempre produzir sofrimento nesta vida assim como na próxima. Se você não deseja sofrer deveria evitar sua causa; se não existe a causa, não vai haver o resultado, assim com se a raiz da árvore é removida não haverá mais fruto. Se deseja felicidade deve ter muito cuidado com a causa da felicidade, assim como se deseja que a árvore cresça deve ter cuidado com sua raiz. Se a raiz é defeituosa, a árvore não medrará.
Assim, antes de começar qualquer meditação deve contemplar estas Quatro Recordações muito cuidadosamente e após isso deve Tomar Refúgio. Tomar Refúgio marca a diferença entre Budistas e Não-budistas: significa que você renuncia, que você se asila.
P. De que maneira renuncia?
R. Você renuncia de si mesmo. Como eu disse, a Existência Mundana é cheia de sofrimento. Existem muitos sofrimentos óbvios e também muitos que são menos óbvios e os quais as pessoas comuns não percebem. Desejamos estar livres desses sofrimentos, mas presentemente não temos total conhecimento ou total poder para fazer isto, assim não existe quase nada que possamos fazer por nós mesmos acerca disto no presente. Ora, quando você empreende uma ação importante, busca ajuda de uma pessoa poderosa: se você está doente. consulta um médico, e se você tem um problema com a justiça, procura um advogado. Assim. quando você deseja proteger-se do sofrimento da Existência Mundana, tem de tomar Refúgio na Jóia Tríplice. que é o verdadeiro auxílio para este empreendimento. A Jóia Tríplice consiste no Buda que é o Guia, no Dharma ( ou Religião) que é o nosso Caminho, e na Sangha que significa aqueles companheiros espirituais. Desta maneira, o Refúgio Final é apenas o Buda: o Dharma ou Ensinamento tem duas partes: o Ensinamento e a Realização. O Ensinamento é o Tripitaka ( discursos de Sutras, Adhidharma e Vinaya), mas isto é apenas um barco que você usa para cruzar o rio: quando chega do outro lado, simplesmente deixa isto para trás. A Realização também tem duas partes: a Verdade da Cessação, e a Verdade do Caminho. A primeira destas é vazia, shunyata, portanto não pode ser um Refúgio final. Assim como a Sangha, mesmos os seus mais elevados membros ainda estão no Caminho, portanto não podem ser um Refúgio final. De forma que, realmente, o Refúgio está apenas no Buda, mas nós tomamos Refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha.
P. Isto significa que o Buda é permanente?
R. Sim, sim. O Buda é evidentemente permanente. O Dharmakaya, “o Corpo Verdadeiro”, está além de permanência e impermanência; e o Sambhogakaya, “o Corpo de Bênção”, também existe. O Nirmanakaya, “o Corpo Aparente”, é a forma que o Buda toma nesta Terra, e tem a aparência de impermanência, ainda que esteja sempre presente em todo lugar, mesmo aqui.
P. O que é a real prática de tomar Refúgio?
R. Tomar Refúgio é realizado de maneira diferente de acordo com intenção de três tipos de pessoa que executa isto, ainda que as três causas medo, fé e compaixão fazem o mesmo. A real prática é a recitação da prece de Refúgio. A prece mais simples diz, “Eu tomo Refúgio no Buda, eu tomo Refúgio no Dharma, eu tomo na Sangha”. A reza mais elaborada diz, “Eu tomo Refúgio no Buda, Dharma, Sangha até atingir a Iluminação; pelo mérito de fazer desta maneira possam todos os seres alcançar o estado de Buda”.
Mas a mera recitação da prece com sua voz não suficiente; isto deve ser recitado do coração. Se você desejar refugiar-se da chuva, não vai ser de nenhuma ajuda para você dizer casa, você tem que ir e pegar um guarda-chuva, e se fizer isso você estará a salvo da chuva evidentemente. Portanto é necessário tomar Refúgio muito seriamente, com a total crença e, além disso, pensar que, não importa o que aconteça, vai buscar Refúgio apenas na Jóia Tríplice e que você vai sempre permanecer sob esta proteção. Recitando a prece desta maneira e com esta intenção é a primeira prática do Budismo e uma das fundações de toda prática . Tomar Refúgio desta maneira distingue o Budista do não-Budista.
Ainda que esta recitação seja suficiente para fazer de você um budista, é comum uma pequena cerimônia realizada em frente do guia espiritual. Ele vai pronunciar as palavras da prece que os discípulos repetirão depois dele, prometendo também eles sustentar os ensinamentos morais do Budismo. Deste tempo em diante, você continua a recitar esta prece com grande devoção.
P. Um renascimento animal é realmente possível para um ser humano?
R. Sim, realmente. Existem muitas estórias de seres animais renascidos como humanos devido às suas boas ações e de seres humanos renascidos como animais, também, como resultado de suas ações más. Alguns animais são extremamente carinhosos, especialmente para com seus filhotes, e por trabalhar duramente eles podem criar suficientes causas de atingir um nascimento humano.
P. Por que o nascimento humano é tão importante?
R. O nascimento humano é extremamente precioso porque, através da vida humana, você pode atingir não somente o mais alto renascimento e Nirvana, como também podemos praticar o Dharma e conseguir a Iluminação.
P. Realmente nos ajuda ficar pensando muito na impermanência? Nós sempre sabemos que somos impermanentes e pensar muito nisto vai-nos deixar deprimidos.
R. Sim, isto ajuda. Tsongkhapa disse, “O prisioneiro tem apenas um pensamento: Quando pode ele sair desta prisão? Este pensamento nasce constantemente em sua mente. Seu pensamento sobre a impermanência deve ser assim; medite sobre a impermanência até que este estado de mente apareça”.
P. Nós estamos mesmos na condição de prisioneiros? Freqüentemente encontramos coisas agradáveis no Mundo da Existência.
R. Mas este prazer não é permanente, não é? Os grandes prazeres podem levar ao desastre, não é? Assim nós estamos felizes agora, mas não sabemos o que pode acontecer na próxima hora. Pode ser o completo desastre.
Uma vez que o prazer é impermanente, que é realmente incerto, você não tem a verdadeira felicidade porque o seu prazer está colorido pela ansiedade. De fato, você não é nunca verdadeiramente feliz porque não sabe o que vai acontecer e assim a ansiedade fica inevitável.
P. Os infernos são metáforas para estados de muito sofrimento ou eles realmente existem tais como são descritos nos Sutras Budistas?
R. Alguma coisa realmente existe, penso. Realmente é dito nos Sutras que eles realmente existem muito mais terríveis do que são descritos porque, diz-se, o Buda não os descreveu completamente. Se Ele os tivesse descrito completamente as pessoas desmaiariam.
P. Como podem ser reais?
R. São tão reais quanto a vida que vivemos hoje. Sim, muitas pessoas pensam que eles não são reais, que são como um sonho. Mas realmente somos felizes e infelizes nos sonhos, tão real quanto nós somos quando acordamos. Esta experiência presente também não é real, mas pensamos que tudo ao nosso redor é real. O inferno é tão real quanto isto. Claro que o inferno, também , em realidade, não é real. Isto também não é real. O que é isto, então?
P. Os Budas sofrem?
R. Não, eles não sofrem. Eles estão absolutamente livres do sofrimento.
P. Eles vêem o sofrimento?
R. Eles também não vêem o sofrimento.
P. Então como eles podem ajudar as pessoas que estão sofrendo?
R. Eles não sofrem. Esta resposta marca uma das diferenças entre as Ordens Sakya e Gelugpa; os Gelugpas dizem que os Budas vêem o sofrimento e nós dizemos que eles não vêem. O homem que acordou do sono não tem sonhos. Esta impura cena samsárica de sofrimento é como um sonho, é como uma ilusão. Assim o homem que acordou desta ilusão não pode mais sonhar outra vez. Mas devido à sua Bodhicitta (mente de iluminação) e sua compaixão a ajuda aos outros espontaneamente nasce. Mas o Buda em si mesmo não mais vê o sofrimento. Para ele todas as coisas são transformadas em pura aparência.
P. O Buda está envolvido no “Carma”?
R. Ele pode conseguir o resultado cármico final, o mais alto e o melhor resultado de Carma.
P. Pode alguma coisa acontecer para nós que não seja resultado de nossas próprias ações?
R. Não, nunca.
P. Pode o Buda perceber o resultado de suas próprias ações e das dos outros?
R. Sim, por exemplo tem havido muitas profecias, mas eu não penso que o Buda veja ou perceba estes resultados. Onde existe necessidade de profecia isto apenas acontece espontaneamente.
P. Podemos modificar o resultado das ações passadas?
R. Certamente. A meditação Vajrasattua pode
purificar muitas de nossas más ações, porém em todo caso a criação de boas causas e o mérito é de muita ajuda e necessidade.
A Sabedoria Essencial do Budismo Terceira Parte “O Bodhisattua nasce do amor e da compaixão”
P. No pequeno Veículo da salvação pessoal (Hinayana), o “Nirvana” (a Liberação) é uma das Quatro Nobres Verdades, mas isto parece menos importante no Grande Veículo (Mahayana).
R. Sim. Existem dois extreinos, a Existência Mundana e a Liberação. A primeira é completamente envolvida no sofrimento e a outra vai completamente além dele. O Grande Veículo ensina que nós não devemos entrar em nenhum dos dois. Em vez disto, devemos seguir o Caminho do Meio, o que significa que, através do poder da sabedoria não devemos permanecer na Existência Mundana e devido ao poder da compaixão não devemos permanecer na Liberação. Se você permanece na Liberação não pode ser ativo, não pode ajudar os outros seres: Você mesmo estará completamente livre do sofrimento, mas não haverá nada que possa fazer pelos outros. Atingindo a Iluminação, a qual nós chamamos de Grande Liberação, você não apenas estará livre do sofrimento, como também poderá imensamente ajudar a todos os seres sencientes. Esta é a principal diferença.
P. Quais são as principais práticas do Mahayana?
R. Existem três práticas principais: Amor, Compaixão e Mente de Iluminação. Amor significa que você deseja que cada ser senciente em todos os seis reinos de existência estejam felizes. E Compaixão é o desejo de que todos os seres em sofrimento saiam de seu sofrimento. A Mente de Iluminação significa, falando de maneira genérica, o desejo de atingir a iluminação pela salvação de todos os seres sencientes. Esses três são muito importantes. Sem Amor e Compaixão a Mente de Iluminação não vai nascer e, sem Mente de iluminação você não pode atingir a iluminação. Desta forma Amor e Compaixão são necessários. Mas de todos a Compaixão tem particular importância. É dito que ela é a raiz do Grande Caminho no princípio, a água que faz a semeadura crescer no meio, e o amadurecimento do fruto no fim. Desta forma a compaixão está no princípio, no meio e no fim, ela é muito importante. Por esta razão, quando Chandrakirti escreveu o Madhyamakavatara, precedeu o trabalho com uma homenagem à Compaixão. “O Buda”, disse ele, “nasce do Bodhisattua e o Bodhisattua nasce do Amor e Compaixão, mas especialmente da Compaixão”. A principal causa do Grande Veículo é a Compaixão.
P. Como podemos praticá-la?
R. Primeiramente é necessário o estudo, depois a meditação. Visualize aquelas pessoas que lhe são caras e deseje para elas a felicidade e que estejam livres do sofrimento: então reze para que você possa ter o poder de realizar isto para elas, que seja capaz de fazer isto. Então medite naqueles que não estão próximos de você e finalmente em todos os seres sencientes. De fato você deve começar lembrando-se das Quatro Recordações, depois tomar Refúgio, então visualizar sua mãe e pensar muito claramente com muitos detalhes, os mais elaborados, em sua bondade para com você, no cuidado que ela teve para com você. Então compreenda que ela ainda está sofrendo e criando as causas do sofrimento; assim o desejo de ajudá-la vai nascer e, quando você desejar socorrê-la do sofrimento, vai nascer a Mente de Iluminação. Finalmente reze ao Guru e à Jóia Tríplice para que ela possa ser feliz e livre do sofrimento. Depois pense no seu pai, em outros seres e em seus piores inimigos como estão criando estados de grande sofrimento. E assim medite em todos os seres dos seis remos até que nasça naturalmente o amor para com eles sem nenhuma reserva. Finalmente deseje que todos os méritos acumulados através disto possa beneficiar todos os seres sencientes igualmente: esta distribuição de mérito conclui qualquer meditação.
A Compaixão tem a maior importância e deve ser praticada o maior número de vezes possível. Ela deve tornar-se completamente instintiva. Avalokitesvara. o Senhor da Compaixão, disse num Sutra, “Aquele que deseja alcançar a Iluminação não deve praticar muitas coisas, mas apenas uma. e esta é a Compaixão”. A prática da Compaixão é de três maneiras: Compaixão do seres é o desejo de que primeiramente sua mãe e depois todos os ilimitáveis seres sencientes estejam livres do sofrimento, e o desejo de que você seja capaz de ajudá-los. Compaixão de Dharmas (fenômenos condicionados) é o desejo de que os seres sencientes abandonem a raiz do sofrimento, já que a raiz do sofrimento é a ignorância. A terceira prática é chamada Compaixão sem objetivo. Você tem de compreender que, realmente, todos os seres sencientes não existem mas, devido à ignorância do Real, estão muito apegados ao ego e isto causa para eles o sofrimento.
P. Os seres sencientes não existem realmente?
R. Não, de fato os seres sencientes não existem, mas através dos seus apegos ao ego nascem aparências ilusórias. No momento em que você deseja alguma dessas aparências, passa a ter também aversão para outras, e logo que você ignorantemente acredita nelas como realmente existentes você está preso no círculo vicioso que é a Existência Mundana.
A terceira prática é a Mente de iluminação, que é a prática mais importante. Falando de maneira genérica, existem duas Mentes de iluminação, a Relativa e a Absoluta. A Mente de iluminação Relativa também tem duas partes que se chamam “Aspirante” e “Entrante”. A Mente de iluminação Aspirante tem a aspiração, o desejo de atingir a iluminação por todos os seres sencientes, e isto é como o desejo de fazer uma viagem. A Mente de Iluminação Entrante é como fazer tal viagem: todas as coisas que você realmente faz tem o propósito de atingir a iluminação. Esta Mente de iluminação Entrante inclui todas as práticas budistas como as Seis Paramitas de Doação, Conduta Moral, Paciência, Vigor, Meditação e Sabedoria. Finalmente a Mente de Iluminação Absoluta é a compreensão da verdadeira natureza de todas as coisas, o que é chamado de Vacuidade.
Compreender isto é Mente de Iluminação Absoluta.
P. Como podemos entender Vacuidade?
R. Vacuidade é realmente apenas um nome. O que não significa que todas as coisas sejam vazias ou vácuo. Todas as religiões tentam explicar a natureza dos fenômenos, mas todas chegam à conclusão de que alguma coisa existe, seja positiva, seja negativamente. Normalmente as pessoas não pensam muito acerca dos fenômenos e suas origens, mas a maior parte das pessoas espirituais sim, e buscam saber por que as coisas existem e de onde elas vêem. A conclusão Cristã é de que todas as coisas foram criadas por Deus. Uma Escola Budista antiga, a Sarvastivada, concluiu que, ainda que as coisas grosseiras realmente não existem, átomos — tão pequenos que não têm lados voltados para qualquer direção — existem como elementos básicos. A Escola mais avançada do Budismo, a Vijnanavada, decidiu que de modo último nada existe externamente e que as coisas que nós parecemos perceber são apenas projeções mentais. Igualmente, quando os filósofos Madhyamika examinaram os fenômenos, todas as coisas pareciam desaparecer e eles não puderam achar nada. Eles não se satisfaziam com a explicação de que Deus criou tudo, ou de que pequenos átomos existem, e eles raciocinaram que era impossível à mente subjetiva existir se os objetos não existissem, já que mente e objeto são interdependentes ente inseparáveis como direita e esquerda. Assim, se não existe substância externa, não pode haver a mente. A Madhyarnika concluiu, após muito exame cuidadoso, que não existe nada, de modo último, que possa ser tido como uma realidade existente. Positivamente as coisas não podem ser descobertas, negativamente as coisas não podem ser descobertas, nada pode ser aceito como uma realidade existente porque a verdadeira natureza de todas as coisas está além da existência e não-existência, além do pensamento e inexpressável. Shantideva disse, “O Absoluto não é um objeto da mente; está além da mente. É alguma coisa que você não pode descrever; é o prodígio do incompreensível”. Entretanto, quando nós falamos destas coisas, não temos um nome para elas, e assim nós as chamamos “outro”, existe o desejo pelo “eu”, e aversão pelo “outro”, e isto leva a mais ilusão e obscuridade da verdadeira natureza. A Mente de Iluminação é a melhor maneira de arrancar a errônea noção do eu. De que maneira existem outros seres diferentes de você? Tente primeiro vê-los como iguais a si próprio e amá-los mais do que você se ama a si próprio, até que você possa amar os outros seres mais do que a si próprio. Tente constantemente desejar que, por mais que você esteja sofrendo, mesmo assim que todo o sofrimento dos outros seres venha para dentro de você, e que todas as suas causas de felicidade sejam doadas para eles. E você pode desejar sempre que o mérito conseguido através disto seja em benefício de todos os seres.
A prática para compreender Vacuidade, a Mente de Iluminação Absoluta, tem duas partes: a prática da concentração e a análise da experiência, a qual nos mostra claramente a experiência Madhyamika. Mas estas práticas necessitam algumas explanações mais extensas, e eu não poderia tratar deste assunto adequadamente agora. Mas, antes de cada prática, você deve tomar Refúgio e depois distribuir os méritos.
P. Se coisas e mente não existem, o que são as aparências? Quando elas começaram e quando elas terminam?
R. Elas não começaram. Existe um fim, contudo, quando você atinge a Iluminação. Isto tudo é uma ilusão, não é real, como um sonho. Onde os sonhos nascem? Para onde eles vão? Isto é assim. É um longo sonho.
P. Assim, o que são as aparências?
R. Um longo sonho.
P. Amor e Compaixão são coisas boas, mas não existe um ponto em que é melhor ter raiva das pessoas? A raiva é alguma vez justificável?
R. Talvez, se a intenção é branca, ainda que a ação seja negra. Mesmo que você tenha raiva, se é com o pensamento de beneficiar o ser, sua raiva nasce da compaixão, e tudo o que nasce da compaixão é bom. Se a raiz é medicinal. mesmo que o fruto pareça ser mau, ele será medicinal.
P. Freqüentemente se pensa que o Budismo leva ao negativo e ao comportamento passivo.
R. É verdade, se você entra e permanece em Liberação. Mas se você entra no Grande Veículo, em lugar do egoístico desejo de quiescente liberação, você possui compaixão que é o desejo ativo pelo benefício de todos os seres.
P. O Budismo é algumas vezes dito ser ateísta porque assegura que não existe Deus.
R. O Budismo não acredita num deus como criador do mundo e, neste sentido, você pode dizer que é ateísta. Se, entretanto, Deus é alguma coisa mais, uma compaixão divina ou uma sabedoria divina, manifesta em forma de uma deidade, você pode dizer que o Budismo não é ateísta, mas politeísta.
P. Se realmente não existe eu, então o que renasce?
R. O contínuo da mente, a serial corrente mental da pessoa e o resultado de suas ações dão origem a um novo ser. Em todo caso o renascimento é uma verdade relativa. A interpretação da verdade relativa difere de escola para escola, de religião para religião. A Madhyamika acredita ser relativo o que quer que nós vejamos sem examinar: o ponto de vista do comum das pessoas. Relativamente existe renascimento, mas não ultimam ente.
P. Como nasceu a filosofia “Madhyamika”? Não foi depois da época do Buda?
R. Claro que é budista: é o real significado dos Sutras Prajnaparamita, onde claramente se diz que quem seguir os extremos nunca estará livre do sofrimento. Os extremos são o positivo e o negativo, de acreditar na existência ou na não-existência, e assim por diante. A filosofia é desenvolvida a partir dos Sutras, que foram pronunciados pelo Buda.
P. Se nós não aceitamos a existência dos seres, já que todas as coisas são vazio, por que razão temos de ter compaixão por eles?
R. Tudo não é apenas vacuidade; vacuidade é também uma visão errônea, é um extremo. A verdadeira natureza das coisas está longe dos extremos. Para compreender isto, você tem de acumular uma grande soma de mérito e a melhor maneira de fazê-lo é praticar amor e compaixão por todos os seres. Enquanto este mérito não for acumulado, a com preensão da vacuidade não vai nascer.
A Sabedoria Essencial do Budismo Quarta Parte “O Guru tem uma tremenda responsabilidade”
P. O que é “Mantrayana”, Sua Santidade?
R. Mantrayana ou Tantra realmente é um método. A primeira intenção e o objetivo final são exatamente o mesmo que no Mahayana, mas como o Mantrayana é direto, mais inteligente e mais metódico, alcança o mesmo destino partindo do mesmo ponto, porém é mais rápido. A diferença é como viajar de trem ou de aeroplano. A prática Mahayana consiste principalmente na meditação através de pensar sobre as coisas, mas no Mantrayana nossos corpos são extensivamente usados. Conhecendo e usando nossos corpos, podemos chegar a nosso destino muito rapidamente. Agora, muitas coisas são necessárias para um aeroplano voar, como o combustível, o vento, o desenho da máquina e assim por diante. Da mesma maneira quando nós tentamos atingir a realização através do Mantrayana praticamos não apenas em pensamento: visualizamos diferentes Mandalas, repetimos Mantras, e assim por diante, e você pode dizer que, se estas práticas foram corretamente seguidas, a realização aparecerá automaticamente.
P. É apenas esta a diferença entre Mahayana e Mantrayana?
R. Mahayana é chamado de “Causa Yana”, o Caminho Causal. E o Maiitrayana é chamado Caminho Resultante. No Mahayana, você trabalha apenas para criar as corretas causas pela prática de doação, conduta moral etc. Estas práticas são muito valiosas e corretas, mas são ainda muito diferentes das imensas qualidades do Buda. Mas no Mantrayana, você se imagina a si próprio desde o início na forma do resultado. O Buda, de uma forma ou outra. Por esta prática, o resultado o qual é o mesmo que a prática vai aparecer e conseqüentemente Mantrayana é chamado de Caminho Resultante. Desde o início, você pensa de si mesmo como um Buda com todas as qualidades, os trinta e dois signos maiores, os oitenta signos menores etc.
P. Não é errado pensar de si mesmo como um Buda?
R. Em verdade não. Diz-se no Mahayana. também, claro, que a natureza de nossa mente, de nosso inteiro organismo, é realmente Buda, e sempre tem sido. Entretanto, nós não compreendemos isto e estamos envolvidos na ilusão, e conseqüentemente sofremos. Se as obscuridades e corrupções fizessem parte de nossa mente, a purificação não seria possível . O carvão não se torna branco, por mais que tentemos lavá-lo, mas desde que a natureza da mente é pura ela pode ser purificada. Assim como outros seres atingiram a Iluminação, é claro que é possível para nós, também, que nossas mentes possam também ser purificadas.
O Caminho Mantrayana trata com este problema da seguinte maneira: existem cinco raças, ou tipos, de pessoas. Na realidade existem centenas e milhares de diferentes tipos, mas eles podem ser incluídos em cinco categorias. Estes cinco, de fato, podem ser incluídos em um, que é o Vajradhara, mas, em geral, é conveniente pensar em cinco. Estes cinco nós imaginamos numa Mandala, que é a mansão celestial de certas proporções e decorações, cercada de fogo. O Buda centro é azul escuro e é chamado de Akshóbhya, “o imovível”. No Este está o branco Buda Vairoçana, “Aquele que Cria Aparências”. No Sul está o amarelo Ratnasambhava, “Aquele que tem a Natureza da Jóia”. No Oeste está o vermelho Amitabha, “Luz Ilimitável”. E no Norte está o verde Amoghasiddhi, “Aquele que é Hábil na Realização de Todos os Possíveis Trabalhos”. Eles são como o Buda Shakyamuni, exceto que eles têm diferentes Mudras, ou gestos em suas mãos. Akshóbhya toca a Terra no Bhumisparsha mudra. As mãos de Vairoçana estão no gesto de Ensinar. Ratnasambhava exibe o gesto de doação. Amitabha, o gesto de meditação. Enquanto Amoghasiddhi ergue sua mão para mostrar o cruzado Vajra, o mudra de Intrepidez. Cada um desses cinco tem específicas qualidades, mas cada um também relata as cinco mais comuns corrupções que nos afligem: o Akshóbhya azul, a raiva; o vermelho Amitabha, a paixão e o desejo; o verde Amoghasiddhi, a inveja; o branco Vairoçana a ignorância; e o amarelo Ratnasambhava, o orgulho e a avareza. Essas cores são claramente relacionadas com a corrupção correspondente. Em inglês você diz “verde de inveja”, enquanto a paixão é associada ao vermelho, e a raiva ao azul escuro. Nós podemos ver claramente estas características das cinco raças nos indivíduos: pessoas que são de complexão morena, que tem a marca de sua personalidade semelhante ao vajra e que estão freqüentemente com raiva, são da raça Akshóbhya (o vajra é o signo de Akshóbhya). Como existe um completo elo de causa e efeito esta pessoa terá sucesso particularmente fácil nas práticas do caminho relacionado com Akshóbhya. Você vê, o Buda Akshóbhya representa a completa transformação da raiva. No Mantrayana nunca vemos uma corrupção, como a raiva ou o desejo, como algo a ser reprimido. Em vez disso, as energias ligadas à corrupção são purificadas e resultam em um dos cinco Budas, cada um dos quais é caracterizado por um certo tipo de sabedoria. Esta é outra razão pela qual o Mantrayana é o “Caminho Resultante”.
Na realidade não existe corrupção, é claro. As impurezas aparecem porque nós não compreendemos a verdade, e ainda estamos pensando em termos de sujeito-objeto. Assim podemos dizer que as impurezas também vêm da ilusão.
P. Como se pratica este Caminho?
R. Ainda que este Caminho é obviamente superior não é fácil de compreender corretamente. Para começar devemos estar certos de que nossa prática tem uma resolução pura, a Bodhicitta, e somente então podemos receber o ensinamento dos cinco Budas em uma das muitas formas por que eles adotam nas nossas naturezas individuais. Estes ensinamentos são dados na forma de uma Autorização, que é chamada de Wang em tibetano. Significa “Consagração”, ou “Iniciação”. Esta Autorização é uma transmissão, e é necessário recebê-la de um qualificado Guru, e depois estudá-la, pensar nela e meditar nisso para conseguir o resultado final. Depois de receber a Consagração, devemos cuidar da prática diária sem falta, e aprender a pensar muito claramente e completamente de si mesmo como o resultado final. Então, devido à conexão entre a causa e o resultado, o resultado naturalmente aparecera.
P. Esta transmissão é importante?
R. Transmissão do Guru é importante especialmente no Mantrayana. O Guru transmite o ensinamento para você, e ele é parte de uma sucessão de mestres que vêm diretamente do Buda original, Vajradhara, de quem os ensinamentos nascem em primeiro lugar. Mesmo no Mahayana, você não pode praticar sem guia, e isto é particularmente verdadeiro no Mantrayana.
P. Significa que nós não chegaremos ao resultado a menos que recebamos os ensinamentos desta maneira?
R. Claro. Ninguém pode conseguir nada meramente estudando um texto. Você tem de primeiro receber os ensinamentos numa tradição oral que vem diretamente do Buda Vajradhara e esta inquebrantável bênção da linhagem dos ensinamentos deve ser recebida primeiro; sem esta bênção especial nada vai ocorrer. Ainda que a maior parte dos ensinamentos estejam agora escritos, você deve primeiro recebê-los oralmente; depois você pode estudá-los.
P. Portanto o Guru é realmente essencial?
R. Diz-se nos Tantras que o Guru é a fonte de todos os Sidhis, ou realizações espirituais. Portanto é importante descobrir um Guru e, geralmente. é necessário descobrir o correto Guru, aquele que tem todas as qualificações para ensinar o Tantra. Em particular é necessário para você descobrir o Lama com quem você tem uma particular conexão de Carma. Por exemplo, quando Milarepa primeiro ouviu falar de Marpa, sentiu um particular desejo urgente de encontrá-lo imediatamente. Ou quando Tsarchen ouviu falar do grande mestre Sakya, Doringpa, sentiu uma especial urgência de encontrá-lo o mais rápido possível. Quando você descobre o seu Guru, você deve receber a Transmissão e a Explanação dele. No Tantra, é necessário receber o Wang, a Autorização, a Transmissão ou Consagração. Wang é a porta do Tantra. Sem Wang não há nada que você possa fazer. Wang é como a fertilização da terra e o plantio da semente. É o que cria as condições corretas. Depois de receber o Wang, apenas basta cuidar da semente e ver que a colheita cresce.
P. Como reconhecer o Guru com quem se tem uma relação cármica?
R. Em alguns casos existe um claro sinal. No caso de Tsarchen. uma mulher apareceu para ele enquanto ele meditava numa caverna. Naquele tempo ele era um monge Gelugpa. Ela deu-lhe um livro e lhe disse para procurar Doringpa. Ele descobriu Doringpa em Sakya, e descobriu que o livro que lhe tinha sido dado provinha da biblioteca de Doringpa. A mulher era uma manifestação de Vajrayoguini, uma deidade feminina. Tsarchien praticou sua meditação, em particular após recebê-la de Doringpa, e atingiu grande realização. Geralmente, entretanto, se você sente particular urgência de encontrar ou comunicar-se com certo Lama, o sentimento de que alguma coisa acontece quando você o encontra, isto é uma boa indicação.
Pode ser também descoberto por previsões. Quando eu era muito jovem, minha tia pediu a alguns monges para fazer uma espécie de predição que se faz com espelho. Eles viram um estranho Lama no espelho e eu em sua frente. O Lama tinha orelhas longas e o espaço entre os seus lábios e o nariz era também grande. Ele tinha uma cicatriz. Nós não conhecíamos quem pudesse ser, mas depois se descobriu que era Khyentse Rinpochê.
P. Isto significa que só teremos bons resultados com o Lama com quem temos relação cármica?
R. Não, não necessariamente. Em meu caso eu estava impossibilitado de receber grande quantidade de ensinamento de Khyentse Rinpochê. Qualquer Guru qualificado é bom, mas existe aquele especial que pode ajudá-lo mais do que nenhum outro.
P. É correto um Guru fazer exigências extravagantes para seus discípulos?
R. Sim. Por exemplo quando Marpa estava ensinando Lama Ngog, perguntou-lhe se tinha trazido toda sua riqueza. Ngog respondeu que ele tinha deixado para trás apenas uma velha cabra manca. Marpa mandou que ele voltasse para buscá-la. Marpa disse, ainda que uma velha cabra manca não fizesse diferença para ele: ele tinha pedido aquilo apenas para preservar a dignidade do ensinamento. Se você tem de oferecer tudo, você não pode deixar nada para trás. Mas o relacionamento de Mestre e discípulo não é a relação de mestre e servo. É o relacionamento de pai e filho. É o relacionamento espiritual, mas deve ser caloroso e próximo como o relacionamento de pai com seu filho. O Guru tem uma tremenda responsabilidade de cuidar de seus filhos os quais, por seu turno, devem seguir os ensinamentos que forem dados, e guardar todos seus votos.
P. O que os votos implicam?
R. Eles estão longe de ser simples. Depois de receber o Wang, há muitos votos a guardar, em adição a uma prática diária e estudo. Se você já recebeu os votos Pratimoksha do código Hinayana, você tem de guardá-los e, em adição aos votos Mahayana, você tem de guardar os votos tântricos que são muito importantes. Sem guardá-los, nenhuma prática será efetiva. Os votos foram dados para criar as condições corretas para cuidar da semente plantada durante a consagração. Os votos devem ser guardados com propriedade e a prática diária deve ser realizada com as suas visualizações e recitações de mantra e meditações sobre os dois estágios de Kyerim (Processo de Criação) e Dzog-rim (Processo de Compleição).
P. O que é realmente uma deidade Tântrica?
R. Existe infinito número de seres vivos com diferentes gostos, fundamentos, idéias e disposições; assim, para adaptar-se aos diferentes tipos, a Sabedoria Transcendental, ou Buda, ou como você quiser chamar isto, tem diferentes formas. Por exemplo, as pessoas que têm muito desejo meditam em deidades abraçadas. As pessoas que têm muita raiva meditam em de idades em formas zangadas, iradas. As pessoas que têm muita ignorância meditam em deidades muito elaboradas com muitas jóias e ornamentos. Mas realmente elas são todas a mesma Sabedoria Transcendental que aparece em diversas formas para adaptar-se aos diferentes tipos de pessoas.
P. Qual é a conexão entre o ensinamento tântrico e o Buda histórico?
R. Nós chamamos de Buda histórico ao “comum” Buda, e os Budas Tântricos são “incomuns”, mas muitos dos Tantras foram recitados pelo Buda histórico. O Hevajra Tantra é um deles.
P. O que é Mahamudra?
R. Mahamudra é a Sabedoria Transcendental que você ganha depois de praticar Kyerim e Dzog-rim. Kyerim é o processo de criação: você visualiza a Mandala nascendo de uma letra, visualiza isto cheio de deidades. Dzog-rim significa o estado de compaixão. Isto está usualmente no fim da prática. Você imagina todas as coisas sendo absorvidas para trás na letra original e esta então também desaparece. Realmente Kyerim purifica o nascimento, e Dzog-rim purifica a morte.
P. Quais são as principais práticas Sakyas?
R. A principal prática Sakya é Lamdré, ou “Caminho-Resultado”, que cobre o Hinayana, Mahayana e Mantrayana. Chegou a nós através de Virupa, o grande santo indiano que viveu no ano de 650 A.D., e este ensinamento foi trazido para o Tibet pelo tradutor Drogmi, que faleceu em 1072. É baseado na Consagração e prática do Hevajra Tantra e inclui a filosofia do Tantra assim como as práticas de ioga, como o “Calor interior”, a ioga da respiração, posições do corpo, a ioga dos sonhos, Pho-wa ou “Transferência de Consciência” Práticas do Bardo e outras. O ensinamento inteiro leva três meses para ser dado. Também praticamos um ensinamento muito especial, muito esotérico, de Naropa, a Vajra-Yoguini, ensinamento com onze iogas. Depois temos muitos ensinamentos de Mahakala; temos o Vajrakila. que veio da original tradição Ningma de minha família; Sarvavidva, que é particularmente benéfico para o morto e para a morte; Vajra-Bhairava. uma forma irada de Manjushri; os “Treze Ensinamentos de Ouro”. que pertencem apenas à Ordem Sakya, e muitos Outros. Mas o Lamdré contém tudo.
P. No conceito de moralidade Ocidental, as energias sexuais são usualmente vistas como um impedimento ao caminho espiritual. O Tantra significa a aceitação dessas energias e elas podem realmente ajudar-nos no caminho?
R. Se forem corretamente usadas: se usadas pela pessoa correta, no tempo correto, e de modo correto, elas podem ser de unia grande ajuda. Uma história é freqüentemente contada do Rei Indrabhuti que disse para o Buda Shakyamuni que ele preferiria renascer como um lobo na floresta do que empreender o Caminho espiritual o qual exige a renúncia às coisas mundanas, e por isso o Buda lhe deu um especial ensinamento, o Guhyasamaja, cuja transmissão ainda temos hoje. A mera renúncia externa é. claro, de pouco uso: a pessoa pode renunciar a alguma coisa externa e ainda ficar apegada a ela! A verdadeira renúncia é a renúncia do apego. Em todo caso, o Rei Indrabhuti era do mais elevado tipo de pessoa e ele e sua inteira corte realmente atingiram a Iluminação enquanto o Buda estava-lhes dando o Ensinamento!
Entretanto, a maioria dos praticantes Tântricos são, é claro, monges, a quem não são permitidos prazeres mundanos e que devem, é claro, ser celibatários. O Rei Indrabhuti atingiu a Iluminação imediatamente, mas nós temos apenas de ler a estória de Milarepa para ver as dificuldades que mesmo personalidades bem preparadas suportam.
P. Que perigos existem para uma prática incorreta?
R. “Se alguma coisa vai errado no Tantra, existe apenas uma direção: mergulho no inferno”. A prática do Tantra é como unia serpente num tubo de bambu: só pode ir para cima ou para baixo. É necessário descobrir um bom Guru e praticar os ensinamentos muito cuidadosamente.
P. Por que o Tantra envolve tanto segredo?
R. Eu penso que, geralmente, é para evitar criar a descrença ou mesmo a aversão aos Ensinamentos Tântricos. Se as pessoas ouvirem essas coisas no momento errado ou sem as explanações apropriadas, elas podem ficar chocadas e pensar que o Tantra é uma coisa má e perder a fé no caminho Tântrico. Da mesma forma, se as pessoas vêem Mandalas e talvez lêem Mantras em livros, podem ficar tentadas a praticar por si mesmos com os mais sérios erros. No Tantra você não pode fazer nada por si mesma. Você deve ser levado a estas coisas pela mão do Guru
P. O Tantra é mais que apenas um ritual?
R. O Ritual é apenas uma pequena parte do Tantra. A principal parte é a meditação diária, a visualização e recitação, a prática das iogas físicas, as iogas de respiração etc.
P. Qual é o resultado?
R. Geralmente o resultado são os Três, ou Quatro, ou Cinco Corpos (Kayas) do Buda. Existem os Três Kayas; dois são Rupa, ou “forma” Kayas, e outro é o “Corpo” espiritual. Isto depois é chamado o Dharmakaya, “o Corpo de Realidade”: é a continuação da mente que foi completamente transformada, a qual se tornou completamente inseparável de Shunyata[24].
O Sambhogakaya. o “Corpo de Bênção”, é o corpo que mora permanentemente no Akanishtha Campo de Buda, dando ensinamento para os grandes Bodhisattuas. O Nirmanakaya, ou “Corpo Ilusório” é de diferentes tipos, mas o Excelente Nirmanakaya é como o do Buda histórico que apareceu entre nós na Índia. Esses corpos resultam da transformação de nossos presentes organismos. Nosso corpo presente se torna o Rupakaya e nossa mente presente se torna o Dharmakaya, ou “Corpo de Real idade”.
A Sabedoria Essencial do Budismo Quinta Parte “O Buda vê que o ego não existe em nenhum lugar”.
P. Diz-se que a mais importante qualidade necessária para o sucesso de uma prática de Dharma é a grande fé. Que tipo de fé se exige. Por que a fé é tão importante ?
R. E claro que a fé é muito importante mas não é a única coisa importante. É o princípio. Sem ela você não pode chegar a bons resultados. Por exemplo, se a semente está queimada, você não vai ter uma boa colheita. Não importa quanto você pratica o Dharma, não chegará a nenhum resultado sem fé: primeiramente “fé voluntária”, que significa que você percebe quão excelentes são as qualidades da Tríplice Jóia que você deseja aceitar a fim de beneficiar a todos os seres sencientes. Em segundo lugar, a “fé clara”, que significa que, vendo as grandes, as boas qualidades do Buda, sua mente se torna clara e certa; em terceiro lugar a “fé de confiança”, a qual significa que você aceita os ensinamentos budistas como válidos, como as Quatro Nobres Verdades e assim por diante. Você estuda esses ensinamentos e conclui que são corretos.
P. Logo a fé não é apenas de aceitar certo dogma?
R. Não, não, certamente não.
P. O ensinamento do renascimento é estranho ao Ocidente. Pode alguém praticar efetivamente o Dharma se não aceitar o renascimento?
R. De acordo com nossa definição de prática de Dharma, não. Nós dizemos que, seja o que for que você pratique, por mais elevado ou bom que isso possa ser, não é Dharma se tem apenas intenção voltada para esta vida. Dharma é alguma coisa que você pratica para a próxima vida, e assim a idéia de renascimento é inseparável da idéia de Dharma. A Lei do Carma é uma parte intrínseca do Dharma e o futuro renascimento é o resultado das causas presentes.
P. Muitas pessoas no Ocidente podem negar a universalidade do sofrimento.
R. Os Budistas, no entanto. diz~m que, onde você estiver no Mundo da Existência, há sofrimento. E errado ignorar a contínua presença do sofrimento. Não se pode deixar de ver o sofrimento; podem-se conhecer e evitar criar as causas do sofrimento.
P. O que é “anatma” ou “ausência de ego”, doutrina pregada por Buda?
R. O Buda vê que ego não existe em nenhum lugar. A mente não é o ego, o corpo não é o ego, o ego é apenas um nome dado a um grupo de coisas: forma, percepção, sentimento. impulsos e consciência, todos juntos. Assim, em realidade, quando você faz o exame para achar o que é isto que nós chamamos de ego, não há nada. O ego é apenas um nome dado a uma coleção de coisas.
P. Ainda que não tenhamos uma alma imortal, o ego não existe de algum modo?
R. Não, o ego nunca existiu, mas a continuidade da mente existe.
P. De onde nasce nosso forte senso de ego?
R. Desde um tempo sem começo. nós vimos nascendo no Mundo da Existência com um fortíssimo hábito de pensar que o contínuo da mente é nosso próprio ego, e temos vivido com um fortíssimo apego a isto.
P. Assim o ego é apenas um hábito de pensamento?
R. Sim.
P. Alguns ocidentais pensam que a morte é a completa aniquilação.
R. Isto não é correto: quando você morre o corpo termina, mas sua mente ainda continua.
P. Se não há o ego, o que continua?
R. O contínuo da mente: é como o rosário, todas as contas são diferentes, mas são o mesmo rosário.
P. O que é mente?
R. Existem muitas partes para isto, mas existe um aspecto verdadeiramente básico que nós chamamos de Kun-Shi (Alayavijnana). Literalmente, isto significa “fundação de tudo” e é a transparente “auto-visão”. É a base na qual Mundo da Existência e Liberação nascem. E realmente a mente não obstruída, aquela parte da mente que não pega objetos externos. É transparente e contínua desde um tempo sem começo até que a Iluminação é atingida.
P. A mente também é não-existente em Absoluto?
R. Relativamente existe, é claro. Do ponto de vista último, é Shunyata, mas do ponto de vista relativo existe. Na realidade, você não pode dizer que existe ou não existe.
P. A base comum de todas as mentes individuais é alguma coisa individual ou é consciência coletiva?
R. É individual.
P. O que distingue os seguidores do Mahayana dos seguidores do Hinayana?
R. Existem sete diferenças, mas a principal é que desejar atingir a iluminação para o benefício de todos os seres sencientes pertence ao Mahayana.
P. A compaixão por todos os seres vivos é algo como sentir pena deles?
R. Não. A Compaixão é o pensamento, o desejo de que os seres estejam livres do sofrimento.
P. A compaixão envolve a compreensão da causa do sofrimento, ou é apenas um sentimento?
R. Penso que os dois estão envolvidos. Compaixão tem fases: o desejo de que a causa do sofrimento seja removida, e o desejo de que os seres venham a ficar livres do sofrimento pela compreensão da verdadeira natureza de todas as coisas. A prática da compaixão claramente envolve a compreensão da causa do sofrimento.
P. A meditação para o nascer da compaixão é baseada na reflexão da bondade de nossa mãe. O que devemos fazer se a nossa mãe não for bondosa?
R. Todas as mulheres devem ser consideradas bondosas. É uma grande bondade que sua mãe lhe tenha dado um corpo humano. Isto é o suficiente para que você a considere bondosa. Se a meditação é difícil, você pode sempre pensar em suas ações bondosas e suas boas qualidades até que o sentimento de amor nasça.
P. Sua Santidade disse que o nosso senso de “eu” e realmente uma ilusão. Se for assim, por que é tão difícil para nós ver isto?
R. Como eu disse antes, desde um tempo ilimitável, através de vidas nós temos construído presunções que são reforçadas por cada ato que assume que o eu” seja real; essas tendências fazem que seja muito difícil para nós compreender a natureza ilusória do eu
P. Ver a irrealidade do ego é como se livrar de um mau hábito?
R. Sim.
P. Sua Santidade disse que o ensinamento sobre renascimento pertence à verdade relativa e que muitas coisas existem de maneira relativa mas não de maneira última; qual é a distinção entre verdade relativa e verdade última?
R. Sim, existem duas verdades, a verdade relativa e a verdade última. Relativamente nós sofremos, relativamente existem causa, caminho e resultado. Mas na experiência da verdade última, nada se pode dizer existente, ou não existente, ou ambos juntos, ou nenhum dos dois.
Existem o que nós chamamos os quatro extremos objetuais; eles são objetuais no sentido de que a objeção válida da lógica pode ser levantada para todas as quatro possibilidades.
P. A verdade última pode ser expressa por palavras?
R. Não, ainda que possa ser descrita até certo ponto. Porém, de fato, só pode ser compreendida e experimentada.
P. A doutrina Madhyamika da vacuidade é a mesma pregada por todas as escolas do Budismo Tibetano e por seus mestres?
R. Sim, eles todos ensinam a mesma coisa, mas os modos de ensinamento diferem. Eles todos têm as mesmas qualidades e todos conseguem os mesmos resultados.
P. Os seguidores do Mantrayana aceitam todos os ensinamentos Mahayanas?
R. Sim. Mantrayana aceita todos os ensinamentos Mahayana. Eles se distinguem pela grande variedade de métodos, o uso de métodos mais diretos para atingir a verdade.
P. Qual é o significado do “Vajra” e do Sino usados nas meditações e cerimônias Tântricas?
R. Cada um tem muitos aspectos, mas o principal é que simbolizam o método e a sabedoria, que são de igual importância no nosso caminho. Eles também representam as qualidades masculinas e femininas.
P. O Ritual é importante no Budismo Tibetano: para que ele serve?
R. O Ritual é muito importante e. através de sua prática, muito progresso pode ser conseguido. Entretanto, não é necessário para todos a realização de rituais elaborados. Apenas Vajra e Sino são necessários, e Mudras[25].
P. Por que os Mudras são importantes?
R. Eles são muito significativos, externa e internamente, e são de muito grande ajuda nas práticas de visualização. Eles também têm muito poder por si mesmos, para proteger, para receber bênçãos, para curar.
P. Que qualidades são requeridas para quem quiser dar “Wangs” ?
R. Três tipos de Gurus são descritos nos Tantras. O mais alto tipo é aquele que realmente viu a deidade tão claramente quanto se vê uma outra pessoa. O segundo tipo é aquele que recebeu algum sinal da realização espiritual, pelo menos alguns sinais, mesmo que sejam em sonho. O terceiro tipo, que é usual em nossos dias, é o Guru que recebeu todos os necessários Wangs e ensinamentos de outro apropriado Guru, e que realizou os retiros das deidades maiores, e que aprendeu todos os rituais, os Mudras. o preparativo da Mandala etc. Só então ele pode dar Wangs[26].
P. É suficiente receber ensinamentos de um Guru do terceiro tipo?
R. Sim, estabelece alguma conexão, mesmo que não seja tão próxima como no primeiro tipo. O primeiro tipo de Guru pode apresentar você à Deidade como se apresentasse a um amigo.
P. O que é um retiro meditacional?
R. Existem diferentes tipos. Você pode fazer um retiro simples quando você pratica meditação de amor, compaixão, e a resolução de desejar a iluminação. Na meditação tântrica você visualiza as deidades, recita os mantras, concentra-se na visão das deidades muito claramente, ou simplesmente medita em Shunyata. Existem muitas práticas.
P. Qual a importância dos retiros?
R. Através dos retiros meditativos você atinge a Iluminação. Sem realizar muitos retiros, é impossível atingir a Iluminação. É sabido que no Tibet muitos iogues levaram anos em retiro solitário com este propósito, assim como na Índia. A não ser que você tenha altíssimas qualidades, não seria possível atingir a Iluminação nesta vida sem realizar longos retiros.
P. Na prática Mantrayana, não importa em que deidade você medita?
R. É melhor meditar numa deidade com a qual você tem uma relação cármica. Isto é chamado um Yidam, ou “Deidade Patronal”.
P. Toda deidade pode ser um Yidam?
R. Nem todas. Os protetores não podem ser Yidans. Existe uma classe de deidades que são Yidans, e entre elas você pode ter uma com a qual tenha uma particular conexão.
P. Podem os Bodhisattvas como Manjushri ou Avalokiteshvara ser Yidans?
R. Sim, eles têm as duas formas, de Bodhissatuas e de Yidans.
P. Que qualidades são necessárias para que nós tomemos os Wangs?
R. Muitas qualidades diferentes de um digno discípulo são descritas, mas as principais qualidades são a fé, a compaixão e a Bodhicitta. Pessoas sem o desenvolvimento da Bodhicitta não estão preparadas para tomar as consagrações maiores, as consagrações de deidades como Hevajra.
P. É apenas uma questão de sorte, mesmo que a pessoa desenvolva a Bodhicitta, achar um Guru?
R. Não. a pessoa tem que procurar. Sempre se pode descobrir um GLIrU de quem receber os ensinamentos.
P. O que se deve fazer se não se descobre o Guru?
R. Deve procurar mais
P. O que é “Anuttarayogatantra”?
R. Existem quatro classes de Tantra das quais Anuttarayogatantra é a mais elevada. Em resumo, é a prática na qual cada ação de sua vida seja comer, banhar-se, etc. todas as coisas que são feitas, todas as ações da Existência Mundana seja durante sua meditação. seja enquanto você não está meditando. tudo, todas as ações são transformadas no Caminho.
P. A prática Budista significa que nós temos que renunciar ao mundo matrrial?
R. De acordo com o Hinayana e Mahayana. sim. Mas de acordo com o Mantrayana. não necessariamente.
P. Renúncia significa ir para as montanhas e viver como um eremita? Podemos continuar a viver nas cidades e continuar praticando?
R. Certamente, no Mantrayana. É por isso que o Senhor Buda ensinou o Mantrayana ao Rei Indrabhuti.
P. Por que então o Monasticismo é importante?
R. O Monasticismo é importante para manter as tradições vivas, para guardar os ensinamentos com propriedadc. Quando você está no mundo você pode praticar. talvéz muito efetivamente, mas geralmente existe muito mais potencial para as distrações do mundo material, e o público leigo não tem tempo para praticar propriamente ou para estudar os ensinamentos de modo efetivo. Eles têm muito mais outras coisas para fazer. Já os monges adquirem as melhores oportunidades para a prática e o estudo do Dharma. porque eles não têm nada mais em que se ocupar.
(Este livro foi financiado por R.Samuel e editado por Sergio Ainbinder.Que pelo mérito obtido por esta ação benéfica possam todos os seres entrar no Caminho e alcançar a Suprema Felicidade da Iluminação.)
A Sabedoria Essencial do Budismo
Este livro revela ao leitor uma síntese do universo da Filosofia Budista. Aqui, além da vida no antigo Tibet, são abordados aspectos básicos do budismo como a tradição Mahayana, o Tantra e a noção de ‘Vacuidade”, centro da liberação.
Seu autor chefe supremo da linhagem Sakya, uma dos quatro escolas tibetanas é considerado, junto com o Dalai Lama, um dos mais importantes líderes espirituais do Tibet.
Este é o primeiro livro Sakya publicado na América do Sul, e um dos primeiros em todo o ocidente.
Leitura obrigatória para os estudiosos de Filosofia, Antropologia, História, Religião e todos aqueles que buscam compreender a essência desta milenar sabedoria.
A Sabedoria Essencial do Budismo traz, a cada página, um fruir constante e harmonioso entre o conhecimento oriental e a dinâmica ocidental.
Um livro, enfim, capaz de seduzir à transformação e ao despertar.
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[1] Sua Santidade está sendo modesto. Sua família é considerada sagrada: os primeiros membros da família Khön foram. segundo se diz. três irmãos da raça celestial chamada Lha-rig que desceram do céu de Abhasvara e se estabeleceram no pico de uma montanha de cristal do Tibet. Dois retornaram logo mas o mais jovem. Yuse. permaneceu na terra e fundou a dinastia Khön (Apud AMIPA.S.G. The opening of the lotus. Londres. Wisdon Publications. 1987. p. 138) Era muito importante não interromper esta linhagem.
[2] Ngagchang Kunga Rinchen (1517-1584) é o 27° mestre detentor da linhagem do Lamdré que começa com Virupa. Sua Santidade Sakya Trizin é o 44°.
[3] Guru Rimpochê foi introdutor do Budismo no Tibet. “Rinpochê” quer dizer “precioso”.
[4] Manjusri é o Bodissátua da Sabedoria que tudo atravessa. Os Bodissátuas permanecem na Existência para ajudar aos seres. Manjusri é simbolizado com tinia espada (que Ludo atravessa) e um lótus sobre o qual está o livro da Perfeição da Sabedoria. S.S. Sakya Trizin é considerado uma emanação de Manjusri.
[5] Buda para longa vida. Ele é uma transformação de Amitaba.
[6] Divindade Nvngma que a Ordem Sakya também herdou. Sua prática elimina o ódio e as guerras, e outras atividades.
[7] Consagração ou Wang significa ‘Iniciação’. ou transmissão, autorização.
[8] Infelizmente, segundo se diz, depois da invasão chinesa o Palácio Dolrna foi transformado em prisão. Nada se sabe sobre os tesouros artísticos que abrigavam (quadros, estátuas etc). Quando a família Khon fugiu para o exílio, nada levou, pois não houve tempo nem condições como se vai ler adiante.
[9] Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo (1876 - 1953)é o 6° detentor da linhagem Ngorpa (uma das sub-seitas Sakya).
[10] Mahayana e Tântrica serão explicadas adiante.
[11] Lhasa é a capital do Tibet. Nalanda e Samyé são famosos mosteiros.
[12] A palavra Khenpô significa “mestre em filosofia”, não é nome próprio. Significa Professor Khangsar.
[13] Hevajra é o principal tantra Sakya. Tantra é um texto relacionado à prática de uma divindade, no caso Hevajra. O Tantra de Hevajra foi transmitido por Nairatma (consorte de Hevajra) ao monge indiano Virupa (837 - 909) no ano de 897, ano de Cristo. Após isto, Virupa se tornou um Mahassida. ou seja. um ser tão poderoso que era capaz de imobilizar o Sol com um sinal de sua mão. Os ensinamentos derivados do Tantra Hevajra são chamados de Lamdré (caminho que inclui o resultado).
[14] Vajrapani é um dos mais populares Bodissatuas. Geralmente aparece em sua forma irada”.
[15] Vajra Khusho. como é conhecida a irmã de Sakva Trizin. mora atualmente no Canadá, onde trabalha. Ainda que seja uma das maiores Lamas mulheres do mundo. vive modestamente e orienta um círculo limitado de discípulos em sua casa. Ela é considerada uma divindade em pessoa.
[16] Sua Santidade Sakya Trizin deu o Druthab-Kuntu na inauguração do Mosteiro Tharlam, em Boudhanath, Kathumandu. Nepal. Começou no dia 27 de Dezembro de 1993 e durou três meses (janeiro, fevereiro e março) sendo o último mês quase todo só para os monges. De 8 às 12 horas, e de 13 às 18 horas todos os dias, havia cerca de 1200 monges. a maioria Sakya. muitos tibetanos, alguns leigos vindos de todo o mundo. Entre eles havia um brasileiro. Em frente do trono de Sakya Trizin, seus dois jovens filhos e os grandes lamas. A sua esquerda os leigos europeus. americanos e asiáticos. A sua direita, sua família e amigos. Atrás uma estátua de Buda da altura de um prédio de 3 ou 4 andares (altura do Templo). Fora do Templo, a multidào oLivia a voz do guru através de microfones. Dentro, o Lama Kelsang traduzia para o inglês, que era retransmitido por um pequeno transmissor FM para os estrangeiros (Lama Kelsang mora nos USA). O Druthab Kuntu parece que só é transmitido duas vezes em cada vida, e Sua Santidade disse que seu filho dará a próxima.
[17] Mahakala, ou grande negro. é um a divindade protetora. Havia à cerca de 80 ou 90 tipos de Mahakalas na Índia Antiga. segundo Korchen Tulku.
[18] Segundo consta. na vida anterior Sakya Trizin era um famoso Lama Nyngma.
[19] As quatro tradições do Budismo Tibetano não são conflitantes entre si. mas vêm da mesma raiz. A diferença está em certos textos e rituais que cada uma costuma usar. É de certo modo “errado” pensar “eu sou desta tradição e você é de outra”. Todos são Budistas. E como se houvesse uma escola com quatro grandes mestres, todos ensinando a mesma matéria, mas cada qual com sua pedagogia própria.
[20] Sakya Trizin é o chefe da linhagem Sakya. Gyalwa Karmapá é o chefe da linhagem Karma Kagiu. Penor Rimpochê é o atual chefe da linhagem Nyngmma. Yeshi Dhondup é o atual chefe da linhagem Gelupa. O Dalai Lama é o guia espiritual do povo tibetano e está acima das 4 linhagens, sendo venerado por todas.
[21] Lumbini onde o Buda nasceu. Bodh Gaya. onde se iluminou: Sarnath. onde pregou pela primeira vez: e Kushinagara. onde faleceu.
[22] Sakya Pandita é o 120 Detentor do Lamdré, é um dos grandes Lamas de todos os tempos. Suas obras foram famosas no mundo inteiro até hoje, e traduzidas para o Sânscrito (em geral era o contrário: do Sânscrito para o Tibetano). Levou o Budismo através do Oriente até a China
[23] Matar a mãe, o pai, um Buda, derramar o sangue de um Buda e causar separação entre a Sangha.
[24] “Vacuidade” (N. do T.)
[25] Mudras são gestos das mãos (ver página 58). Também significam consortes e selos. (N. do T.)
[26] “Iniciações” (N.T.)
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