Como um tropel de cavalos desembestados
Budismo

Como um tropel de cavalos desembestados




(Transcrição de palestra em zazenkai, decupada da gravação por Sonielson San)

Quem conseguiu ficar aqui, durante a meditação, por todo o tempo? Ninguém, não é? Natural, porque a mente está em movimento. Mas no segundo período [de 30 minutos] não foi mais fácil? Porque no primeiro momento vem aquele monte de apresentações de problemas, um atrás do outro, como um tropel de cavalos desembestados. Vem à tona um problema do passado, ou aquela conta que tenho que pagar depois de amanhã. E daí eu me pergunto: “Eu vim fazer este zazenkai para me livrar dos problemas, e eles permanecem todos aqui?!”. Mas claro! Você os trouxe na sua mente! E como é, então, que você “esvazia”? Parando o corpo e não alimentando em nada a mente, pois não adianta o problema se apresentar e você querer resolvê-lo. Você vai poder sentar aqui 100 dias, e não vai resolver. Não é com elaboração de raciocínios que se sai do círculo de associações infindável.

O que você tem que fazer é perceber que o passado é uma fantasia sobre registros, o futuro também é uma fantasia, uma expectativa. Os registros na memória são todos falsos. Nós pensamos que eles são reais, mas se acontecer qualquer evento aqui, e nós pedirmos para as diferentes pessoas relatarem este evento, cada uma terá uma versão diferente, porque viu uma coisa um pouco diversa. Então, desta forma, não existe a mesma versão do evento. Assim, a memória não é um registro confiável do passado. Desta forma, não adianta nós sentarmos em zazen para tentarmos resolver os problemas do passado. Tudo que vier à mente do passado, simplesmente você deve perceber como algo que não é para ser considerado, rememorado, nada...isso vale para culpas, coisas boas, prazeirosas, nada interessa.

Descarte [estas lembranças] e volte para cá, para a única realidade verdadeira, que é este momento de agora, este exato momento. Esta é uma técnica razoavelmente simples, mas como vocês devem ter notado, não é nem um pouco fácil de ser executada mas, se vocês conseguirem isso, haverá um resultado veloz, e aí vocês começam inclusive a se questionar onde estavam aqueles problemas todos que até então vinham lhe afligindo. Na verdade, eles “não estavam”. Tratava-se, apenas, de um emaranhado dentro da mente.

O que mais não resolve os nossos problemas? Erudição não resolve. Estudar os sutras, estudar o budismo e conhecer todos os seus detalhes, os nomes, como é que é isso, como é que é aquilo... nada disso resolve. Você pode estudar a vida inteira e continuar sendo o quê? Um erudito. E um erudito não é alguém que resolveu a vida.

Uma vez havia num templo um monge muito burro, ele não conseguia aprender nada. Então o mestre deu a ele uma vassoura e disse: “Você agora vai varrer o chão. Não assista palestra, aulas, nem nada. Apenas varra. E quando você estiver varrendo, pense: ‘limpa’, ‘limpa’, ‘limpa’. Só isso”. E de tanto repetir este “limpa, limpa, limpa”, o monge acabou por “limpar” a mente. Então isso quer dizer que uma pessoa pode ser ignorante (no sentido acadêmico da coisa) e ter acordado das ilusões. Tradicionalmente se diz que se um monge é muito erudito, muito inteligente, ele levará  muito tempo para conseguir despertar porque sabe demais. Então toda questão que se apresenta a ele, ele quer raciocinar.
(continua)



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