Budismo
Engolindo a eternidade
(texto) “Precisamente nesse sentido, se chama mente comum, a flâmula ou desabrochar das flores na primavera, podem ser considerados acontecimentos interiores também, e unicamente nesse sentido. Entendido dessa maneira, nada existe de fato fora da mente e nada acontece fora da mente. Tudo que existe como fenômeno no chamado mundo exterior, não é nada mais que uma forma que manifesta na mente, o noumênico.” (T. Izutsu)
(comentário) Então, a mente se manifesta como fenômeno, todo o mundo exterior se manifesta como fenômeno e só a mente percebe os fenômenos. Tudo que sucede no exterior é um movimento da mente do noumênico, das coisas em si antes das suas interpretações. Isso é o que nós entendemos como Mente.
(texto) “A estrutura da mente assim entendida é de uma natureza aparentemente contraditória, por um lado é inteiramente distinta da consciência empírica no que se refere a dimensão supra sensível e supra racional do ser. Por outro lado se identifica completa e indissoluvelmente com a consciência empírica. A formula de Nan Huang, a mente comum, este é o caminho, se relaciona precisamente com esse último aspecto da mente. Há um antigo adágio Zen que diz “As montanhas, rios, a terra, tudo quanto existe, tudo, sem a mínima exceção é vossa própria mente”.
(comentário) Repetindo esse parágrafo que encerra nossa palestra “A estrutura da mente assim entendida é de uma natureza aparentemente contraditória, por um lado é inteiramente distinta da consciência empírica no que se refere a dimensão supra sensível e supra racional do ser.”
(texto) “Por outro lado se identifica completa e indissoluvelmente com a consciência empírica.”
(comentário) Porque ela só existe porque existe uma consciência empírica que enxerga os fenômenos. Portanto esse algo que a gente declara além da declaração de existir ou não existir, é a vacuidade ou mente, no momento que eu as classifico ou digo que existe, eu a estou diminuindo, por isso não dou atributos à ela, não declaro coisas sobre ela. Nossa mente particular vê os fenômenos e os interpreta, porque interpreta de uma forma particular, gera um mundo de ilusões e sonhos. Porque o mundo real não é esse mundo de ilusões e sonhos, é um mundo que esta além disso. Nem existência nem não-existência, é que estamos nos limites das palavras. Nos limites que as palavras permitem. Mas quando nossa mente olha o mundo o interpreta de acordo com nossa cultura, nosso pensamento, nosso carma. E como operamos como seres, nós, para podermos operar nesse mundo, assumimos uma identidade e dizemos eu sou. Agora, quando eu faço isso, eu me restrinjo a ser apenas esse fenômeno e ignoro o restante do universo inteiro, porque só consigo olhar uma particularidade do universo, aquela que é visível com esses olhos, com essa interpretação.
É um mundo infinitamente pequeno em relação a grandiosidade de todo o universo. Se conseguirmos tirar esses olhos e colocar os olhos de Buda, então todo universo simultaneamente se manifesta de outra forma não interpretável. E essa forma da não-mente, não interpretável, é a realidade última. Nesse estado não existe nem nascimento nem morte. Porque nascimento e morte são fenômenos a que estamos submetidos como fenômenos temporários, esse ego transitório evidentemente nasce e morre. Mas a realidade ultima não está sujeita ao ciclo de nascimento e morte. Portanto aquele que alcança esse estado libertou-se dos ciclos de nascimento e morte e dessa prisão pequena, infinitamente minúscula e mesquinha de um eu particular. Por isso, quando estamos ensinando o budismo, parece negativo o budismo, mas na realidade é infinitamente abrangente no sentido de que morrendo esse pequeno eu, engolimos a eternidade, todo o universo, ampliamos nosso ser a um ponto inimaginavelmente grande. Saímos dessa pequena prisão. É que em geral, todos adoram essa pequena prisão e não querem sair dela. Uma aluna disse uma frase esses dias, “estou praticando, quero melhorar, mas quero me libertar só um pouquinho do meu eu”. É uma frase de grande honestidade. Acho que esse seja o problema de todos, todos querem tranqüilidade, serenidade, escapar do sofrimento, mas não de seus pequenos eus particulares.
(continuação dos comentários de M.Genshô sobre texto de T. Izutsu)
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