Budismo
O eu a ilusão básica
(Continuação) Monge Genshô: Bud significa acordar (das ilusões). Mas as pessoas estão todo o tempo se apoiando em ilusão. Qual a ilusão mais poderosa? A ilusão que atrapalha todo mundo? Eu. Esta poderosa ilusão, chamada “eu”, é arrasadora. Porque ela tem dados de realidade poderosos. Todos estão sentados aqui agora, abrem os olhos e vêem os outros. Registram a impressão – eu estou vendo os outros. Então eu enxergo, eu recebo uma informação, eu sou um centro de informações, processo, penso, tenho formações mentais e todo esse conjunto de formações mentais propiciados por minhas experiências sensoriais me diz que eu sou o observador, o registrador. E quando alguém diz - este eu aqui é construído, uma ilusão, você não consegue acreditar nisso. Porém, se eu disser assim, você acredita profundamente na sua existência pessoal, no seu eu.
Monge Genshô: Quem está aqui pela primeira vez? Você, quem é você?
Aluna: Quem está aqui agora.
Monge Genshô: Quem está aqui agora, mas, quem exatamente?
Aluna: Lívia.
Monge Genshô: Mas Lívia não é você, é o nome que seus pais lhe deram. Lívia não serve. Quem é você, além dos nomes que seus pais lhe deram?
Aluna: Eu sou o resultado do que aconteceu em minha vida.
Monge Genshô: E você registrou esse resultado onde?
Aluna: Na minha cabeça.
Monge Genshô: Então você é o resultado das suas memórias, certo? Inclusive até aquele de que seus pais lhe deram tal nome, não é isto?
Aluna: Sim.
Monge Genshô: Mas, se você perder sua memória hoje e acordar amanhã de manhã numa cama de hospital com amnésia, nós iremos visitar você e dizer - nós sabemos quem você é, você é Lívia. E você dirá - não me lembro. Você não tem mais memória, certo? Mas todo o resto está aí, então perguntaria de novo: quem é você? Não vai saber, pois você é essencialmente construída com memórias acumuladas, com registros de experiências. Mas de suas memórias você já não se esqueceu de grande parte? Então essa construção, vamos dizer assim, é um pouco aleatória, seletiva, não é? Poderia até ser outra. Só escolher outras memórias e seria outra pessoa. Então, seria possível, se fôssemos capazes de interferir no seu cérebro, selecionar memórias que você quer lembrar e outras que não quer lembrar e construir outra pessoa. Então, quem é você, se você é só isso? Alguém que está sentado aqui pode contestar isso? Você é alguma coisa além de suas memórias?
Vocês conhecem quem tem nascido de novo e mantido memória da vida anterior com tal inteireza que pode dizer - eu sou aquele? Às vezes a gente vê registro de pessoas com memórias parciais, mas é um flash. Se fosse memória integral, seria como manter o seu eu de uma vida para outra. Vamos dizer assim, se o eu é construído com memória o tempo todo, este eu aqui é o mesmo de hoje para amanhã? O que você acha? É o mesmo? Mas a memória não mudou? Se vai mudando as memórias, mudando, mudou muito. Seria o mesmo eu?
Aluno: Acho que contém.
Monge Genshô: Ah, contém. Então aquele eu vai conter um fragmento do novo eu. Onde é que quero chegar - o eu de hoje não é o eu de ontem. Se você não se lembra da vida passada, qual foi o eu que sobreviveu de uma vida para a outra?
Aluna: A essência.
Monge Genshô: E o que é essa essência?
Aluna: O que eu sou.
Monge Genshô: O que você é não era constituído por suas memórias? Mas se não tem memória nenhuma, o que sobrou?
Aluna: A minha essência.
Monge Genshô: Mas qual é a sua essência? O que é você além de suas memórias?
Aluna: Não sei dizer.
Monge Genshô: Ninguém saberia dizer pois seu eu é essencialmente constituído por suas memórias. Por isso aquela que acorda sem memória responde - "não faço a menor ideia". (continua)
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