Resgatar o último nos infernos
Budismo

Resgatar o último nos infernos


(continuação de palestra)
 Sobre inferno e paraíso as pessoas dizem: “se eu me comportar bem, vou para o paraíso, se eu for um santo, vou para um mundo maravilhoso”. Ontem um rapaz me perguntou isso na internet: “se a gente cumpre as regras, numa religião que promete o paraíso, para onde eu vou?” Eu respondi: “Para o paraíso”. Mas o paraíso acaba, o paraíso é a paixão. Ele começa, tem mérito para isso, mas os méritos se esgotam, porque o paraíso também é impermanente. Então na realidade, procurar por mérito atingir o paraíso, significa ignorar todos os outros seres. Então eu sou santo, vou para o paraíso, vocês pecadores, fiquem aí, vão para o inferno, condenados, e encho a boca para condenar todos os outros, que não fazem parte da minha solução que é perfeita, a única que promete o paraíso.

Estes tempos, duas senhoras bateram na minha porta e tentaram me explicar que elas tinham uma salvação, um paraíso, e eu não queria ofendê-las, e elas disseram que só 144.000 escolhidos iriam para o paraíso, os outros todos estariam condenados e que eu teria a chance de fazer parte desses 144.000 escolhidos. Aí eu desisti e disse assim: “Minhas senhoras, vejam, eu sou budista e para um budista, na realidade, eu não quero fazer parte dos 144.000 e ver todos os outros no inferno. O objetivo de um budista é salvar todas as pessoas que estão no inferno”.

Então, o voto do Bodhisattva é: “Mesmo que os seres sejam inumeráveis, eu faço o voto de libertá-los todos”. Significa: EU não vou me libertar, enquanto houver uma só pessoa no inferno, porque eu vou lá dar a mão paro último o mais abjeto, mais terrível, mais cruel dos criminosos, porque eu quero salvar o último dos homens que estiver nos infernos, porque eu não posso usufruir do paraíso enquanto houver um homem no inferno. Esta é a ótica budista. É claro que elas desistiram de mim.

Mas, na realidade meu sentimento é compassivo. Como alguém pode achar que estará feliz, sendo do grupo dos privilegiados? É como os brasileiros que não se sentem felizes por estarem comendo e em suas casas enquanto outras pessoas estão na rua  sem casa ou passando fome. Você não pode ser feliz com isso. Você  pode ser feliz na Noruega, onde o país dividiu o dinheiro do petróleo entre todos os habitantes, de forma que cada habitante na Noruega hoje tem um patrimônio equivalente a um milhão de dólares, aí dá pra ser feliz, porque você não se sente injusto em sentar na mesa e comer, porque todos os outros estão comendo. Não é verdade?

Eu então diria que todos os sistemas no mundo funcionariam muito bem se os homens fossem diferentes. Não importa qual fosse o sistema. Se fosse o sistema comunista, em que todos dividem tudo entre todos, em todos os países onde isso foi feito todo mundo relaxou no trabalho, porque afinal de contas os outros estão trabalhando, e os países empobreceram e quebraram, se os homens fossem diferentes, eles se esforçariam também, e é por isso que não funciona. Mas o sistema comunista funciona muito bem dentro de um mosteiro budista, pois todos dividem tudo e continuam se esforçando e ninguém é proibido de sair. Então não é o sistema em si que é errado, são os homens. É como o sistema capitalista também, que pode ser maravilhoso se todos pensarem em todos. Acabamos de dar o exemplo da Noruega, eles pensaram em dividir as riquezas de seu país, porque é de todo um povo, não de um pequeno grupo, não de um grupo que se aproveita e que enriquece sozinho. Então as diferenças estão dentro dos homens.  (continua)



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