Budismo
A Escola Yogacara e o Abhidharma
(continuação)
A Escola do Yogacara está baseada no Abhidharma e ele ensina a verdadeira característica dos objetos de nossa experiência. Quando analisamos os objetos de nossa experiência e a nossa experiência em si, percebemos que de fato a natureza dos objetos pode variar muito, por exemplo, as pessoas são muito apegadas a coisas como dinheiro. Quando vocês vêem uma nota de cem reais, reagem de forma diferente de quando vêem uma nota de dois reais. Para o cachorro preto do Sensei Genshô, não há diferença entre uma nota de cem e uma nota de dois reais, mas na realidade ele está experenciando a mesma coisa. Está experenciando a cor, experenciando a forma e, quando encosta seu focinho na nota poderá senti-la lisa e macia.
Da mesma forma que nós, quando ele levantar a nota, poderá senti-la leve. Mas a experiência dele é diferente, pois ele tem um conceito completamente diferente do nosso. Quando um cachorro vê um osso com restos de carne, seu rabo começa a abanar, mas nós vemos esse mesmo osso e podemos sentir repulsão. O Abhidharma estuda o verdadeiro conteúdo de nossas experiências, de fato ele é o mesmo para todas as criaturas, nós apenas o vemos diferente em razão de nossos conceitos diferentes.
De acordo com o Abhidharma, nós apenas vemos a impermanência momentânea de todos os fenômenos e de todas as experiências. Depois de você ter analisado as características, por exemplo, da terra, como dureza, maciez, leveza ou peso, são essas as características experienciadas e não outras. Da mesma forma, quando experienciamos o fogo, iremos experienciar a temperatura e nada mais, e isso será o mesmo para todas as criaturas. Esses são de fato os verdadeiros conteúdos de nossas experiências.
Mas não estamos apegados de fato à esses conteúdos, estamos, na realidade, apegados aos conceitos que criamos dessas coisas. Como esse copo, ele possui uma cor, uma forma e uma dureza. Ao tocá-lo eu experiencio um conteúdo frio porque minha mão está mais quente, isso é algo relativo, mas aparenta ser sempre o mesmo. Sempre que eu perceber o copo, irei experimentar esses elementos, mas não irei me apegar a isso e sim aos conceitos relacionados ao copo, como por exemplo, o fato de ser um belo copo do Japão. Isso é igual para todos os tipos de formas, como casas, carros e outros objetos, sempre iremos nos apegar aos conceitos, nós usamos nomes a assumimos que eles são reais e imutáveis.
O Abhidharma enfatiza que não é suficiente experimentar o conceito, você de fato tem que compreender a própria experiência. Quando você compreende o conceito, passa a entender a própria existência do fenômeno. Estamos presos ao Samsara porque damos realidade última às coisas. De acordo com os ensinamentos do Yogacara, isso nada mais é do que a transformação da mente, que tem uma natureza não dual, mas que se torna dual devido à essa noção de uma existência própria, que nada mais é do que a base de todo nosso apego.
Comentário de Genshô Sensei – O Abhidharma é terceira parte do Tripitaka, ou os três cestos. A primeira parte são os sutras, que são os discursos de Buda, a segunda é o Vinaya, que são as regras para os monges e a terceira que é o Abhidharma, são os comentários de mestres sobre os sutras e o Vinaya. É sobre isso que ele está falando.
Venerável Dhammadipa continua: A Yogacara pode ser considerada como um Abhidharma relacionada à Escola Mahayana. Originalmente não seria Mahayana, mas sim uma tradição da yoga no Budismo. De acordo com a tradição o Bodhisattva Maitreya, que é o fundador mítico da Escola Yogacara, teria revelado essa tradição aos Bodhisattvas Asanga e Vasubhandu, que eram irmãos.
Asanga explicava melhor a prática, enquanto Vasubhandu, a filosofia. De acordo com o Yogacara, todos os fenômenos que experenciamos como reais no mundo, estão relacionados à própria existência das coisas e das pessoas que conduzem à transformação da consciência. A consciência em si não tem nenhuma natureza dual, mas devido a essa transformação, torna-se dual, separando sujeito de objeto. Isso é muito importante de ser entendido e, de fato, é a base para o entendimento do Zen. Nosso entendimento do mundo vem desse entendimento da natureza dual das coisas. A consciência é, de fato, não dual em sua própria natureza. Tudo que existe no mundo, de acordo com a tradição Yogacara, está baseado no nosso apego à realidade das coisas e, as diferenciações que fazemos para compreender o mundo, são reais por pertencerem à mente, mas são de uma natureza não dual, são de uma natureza vazia, são a própria expressão do vazio e não existem separadas do vazio.
De acordo com o Yogacara, a verdadeira forma de entender a natureza da mente é entender que todas as experiências são, de fato, a transformação da consciência e que estão baseadas numa imposição de uma existência própria de todas as entidades. Isso nada mais é do que nos apegarmos ao nosso próprio “eu”.
(continua)
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