A grande experiência
Budismo

A grande experiência



Um aluno me perguntou se a iluminação existe, se não é mais uma ilusão da mente. Minha resposta foi de que a iluminação existe e as pessoas tem como perceber isso, pois têm experiências iluminadas em suas vidas, mesmo que muito breves.

O que acontece é que em um belo momento vemos o mundo como maravilhoso e sentimos uma grande e profunda felicidade onde parece que tudo está certo e é perfeito, mas ao primeiro pensamento e à primeira consideração, essa percepção se esvanece. O que seria, então, a iluminação? Não é um acontecimento extraordinário e especial, mas ao mesmo tempo é extraordinário e especial. Talvez algumas pessoas, tão envolvidas estão com problemas, preocupações, insegurança, raivas e sentimentos menores, jamais tenham uma experiência iluminada em sua vida. Essa turbulência sentimental os afasta da percepção pura mas, no entanto, esta percepção está a qualquer momento disponível, o que acontece é que as pessoas não chegam a percebê-la com facilidade e ela muitas vezes surge em momentos e paz e quietude interna.

Quando surge um momento como este um sentimento de profunda felicidade pode nos invadir. Esse sentimento de felicidade invasiva é semelhante a quando uma pessoa se apaixona e sabe que é correspondida, no exato momento desta percepção, uma euforia invade a pessoa e ela sente-se profundamente feliz, até que surjam as primeiras perspectivas de problemas, medos ou inseguranças que irão destruir essa sensação.

A iluminação não é assim, ela tem esse aspecto de felicidade e plenitude, mas não há um objeto da qual seja dependente, trata-se de uma mudança interna. Como você mudou por dentro todo o mundo lhe parece diferente. O que sucede é o que chamamos de “Kenshô”, é vermos nossa verdadeira natureza por um breve momento e essa experiência é uma experiência iluminada. Às vezes as pessoas têm essa experiência não exatamente por estarem praticando meditação, mas em qualquer tipo de prática religiosa e a abertura de uma porta mística permite a pessoa sentir ou perceber como se tivesse levantado a ponta de um véu que lhe permitisse ver que do outro lado existe luminosidade.

No entanto esta experiência se perde com grande facilidade e qualquer pequeno incidente faz com que ela desapareça. Por isso fazemos uma distinção entre o “kenshô” que é fugaz e a iluminação verdadeira que chamamos “Satori”. “Satori” é ter atingido um estado tal em que esta experiência está disponível sempre. Você pode chamar quando quiser e ela irá lhe invadir. Não que isso seja algo sobrenatural, apenas você aprendeu como fazer a sua mente se comportar daquela forma e quando você faz isso, se dissolvem as distâncias entre sujeito e objeto, entre “eu” e os outros ou entre mim e as coisas. Passa a existir uma identidade entre o “eu” e todas as coisas e é como se o “eu” tivesse desaparecido e essa sensação de totalidade e plenitude é profundamente feliz.

Essa sensação possui algumas características interessantes, como por exemplo, ao atingir esse estágio nenhuma pergunta fica sem resposta, não existem dúvidas, dissolvem-se as divisões sectárias entre religiões ou crenças onde todas parecem ter um aspecto apreciável e compreensível e por isso surge grande paciência, tolerância e compreensão. Nós praticamos zazen porque é a prática de nossa linhagem, que é focada na iluminação. Já falei algumas vezes que mesmo em nossa escola essa prática não é a mais comum, pois algumas pessoas estão focadas nas cerimônias e demais práticas formais, julgando ser isso o verdadeiro Zen. As práticas formais são apenas técnicas ou métodos para despertar um espírito que facilite o surgimento desta percepção, mas esta exige um treinamento da mente e por isso treinamos uma forma de meditação que pode até ser desconfortável para o corpo, mas o despertar não virá sem este acesso. Não se trata de fé ou crença e sim de experiência, portanto tudo que posso lhes dizer é que testem e experimentem e, se vocês tiverem uma pequena experiência, saberão que a grande experiência é possível. Nosso foco é a grande experiência.



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