Budismo
O Caminho do Meio
O post de hoje é uma matéria que estudamos numa reunião de bloco, e que reproduzo aqui na íntegra. Bom proveito!
"“A vida é, de fato, uma realidade que transcende tanto as palavras como os conceitos de existência e inexistência. Ela não é nem existência nem inexistência, no entanto, mostra características de ambas. É a entidade mística do Caminho do Meio, ou seja, a realidade fundamental.” (Os Escritos de Nichiren Daishonin [END], vol. I, págs. 4-5.)
O propósito fundamental do budismo é possibilitar às pessoas superarem o sofrimento e edificarem uma vida de verdadeira felicidade. Os ensinos pré-Sutra de Lótus pregavam que os sofrimentos resultavam dos apegos a pessoas e coisas, que, por natureza própria, são transitórios. Os seguidores desses ensinos acreditavam que eliminando seus apegos ou extinguindo seus desejos seculares se libertariam dos sofrimentos e, para esse fim, dedicavam-se a vários tipos de meditação e práticas de austeridades. No entanto, tentar extinguir os desejos é extinguir a própria vida. Sendo assim, o caminho apresentado por esses ensinos não conduzia à felicidade.
A fim de esclarecer a verdadeira natureza da vida, os budistas Mahayana formularam o conceito do Caminho do Meio, que implica em uma abordagem equilibrada da vida e no controle dos impulsos e do comportamento das pessoas.
O conceito deriva de um princípio, fundamental para a filosofia budista, conhecido como “unificação das três verdades”, exposto por Tient’ai com base no Sutra de Lótus. As três verdades são: a verdade da não-substancialidade (ku), a verdade da existência temporária (ke) e a verdade do Caminho do Meio (tyu). Embora a vida seja vista com base nesses três aspectos, estes não podem ser separados. Um contém o outro e são fases inseparáveis de todos os fenômenos. Por essa razão, são chamados também de verdade tríplice.
Embora a palavra “meio” denote moderação, o termo não deve ser interpretado como uma atitude passiva, comodista e relapsa. Tampouco significa que as pessoas devam seguir um curso médio entre dois pontos extremos, mas sim, unificar e transcender a dualidade.
Em um sentido mais amplo, Caminho do Meio refere-se à visão correta da vida ensinada pelo Buda, e às ações ou atitudes que geram felicidade para si próprio e para os outros. Por essa razão, o budismo é também referido como “Caminho do Meio”, indicando uma transcendência e conciliação dos extremos de visões opostas.
Esse conceito é exemplificado pela própria vida de Sakyamuni. Nascido príncipe, ele desfrutou uma vida de conforto e prazer. Porém, não satisfeito com isso, deixou o palácio em que vivia em busca da verdade sobre a natureza da vida. Sakyamuni iniciou a prática ascética, privando-se de alimento e sono e quase chegou a sofrer um colapso. Percebendo a futilidade desse caminho, iniciou a prática da meditação fortemente determinado a compreender a verdade da existência humana. Foi então que ele despertou para a verdadeira natureza da vida, ou seja, para a eternidade, para a fonte de vitalidade e sabedoria ilimitadas.
Mais tarde, Sakyamuni ensinou sobre o Caminho Óctuplo, que consiste de oito princípios pelos quais a pessoa pode controlar seu comportamento e desenvolver o autoconhecimento.
Os oito princípios são:
1) Visão correta;
2) Pensamento correto;
3) Expressão verbal adequada;
4) Ação correta;
5) Modo de vida correto;
6) Empenho adequado;
7) Observação adequada;
8) Meditação adequada.
A partir de então, muitos eruditos budistas tentaram esclarecer e definir a verdadeira natureza da vida.
Por volta do terceiro século, Nagarjuna explicou por meio de sua teoria da não-substancialidade do Universo que nenhum fenômeno é permanente, tudo está em constante mutação. Para Nagarjuna, essa visão da vida era o Caminho do Meio.
Posteriormente, na China, as idéias de Nagarjuna foram desenvolvidas por Tient’ai (Chi-i). Este último afirmava que todos os fenômenos são manifestações de uma única entidade. A essa entidade ele chamou de Caminho do Meio. Ele revela dois aspectos: um físico e o outro não-substancial. Ao negar ou enfatizar apenas um deles, as pessoas estariam distorcendo a visão correta da vida. Não se pode, por exemplo, conceituar uma pessoa sem um aspecto físico e sem um aspecto mental ou espiritual. Tient’ai esclareceu, portanto, a inter-relação indivisível entre ambos os aspectos. Dessa visão derivam os conceitos budistas de inseparabilidade do corpo e da mente, do ser e seu ambiente, da vida e da morte, do bem e do mal e muitos outros.
Nichiren Daishonin (1222-1282), por sua vez, atribuiu uma forma concreta e prática a esses argumentos abstratos. Com base nos ensinos do Sutra de Lótus, Daishonin definiu o Caminho do Meio como Nam-myoho-renge-kyo e ensinou que recitando essa frase as pessoas podem harmonizar e energizar os aspectos físico e espiritual e despertar para a mais profunda verdade da vida.
Em seu escrito “Sobre atingir o estado de Buda nesta existência”, Daishonin esclarece: “A vida é, de fato, uma realidade que transcende tanto as palavras como os conceitos de existência e inexistência. Ela não é nem existência nem inexistência, no entanto, mostra características de ambas. É a entidade mística do Caminho do Meio, ou seja, a realidade fundamental. Myo é o nome dado à natureza mística da vida, e ho, a suas manifestações. Renge, que significa flor de lótus, simboliza as maravilhas da Lei. Se compreendermos que nossa vida neste momento é myo, então também compreenderemos que nossa vida em outros momentos é a Lei Mística”.
Dessa perspectiva, a vida — a energia vital e a sabedoria que permeiam o cosmos e manifestam-se em todos os fenômenos — é uma entidade que transcende e harmoniza as contradições aparentes entre os aspectos físico e espiritual e entre a vida e a morte.
As pessoas em geral tendem a uma visão predominantemente materialista ou então espiritualista da vida. Os efeitos negativos do materialismo que permeiam o mundo industrializado moderno são aparentes em cada nível da sociedade, da destruição ambiental ao empobrecimento espiritual. Não se deve simplesmente rejeitar o materialismo. Isso equivaleria ao idealismo ou ao escapismo e destruiria a capacidade de as pessoas reagirem aos desafios de forma construtiva.
O historiador Eric Hobsbawm intitulou sua obra sobre o século XX de Era dos Extremos. De fato, a violência e os grandes desequilíbrios dessa era e, pode-se dizer também deste século, salientam a necessidade de um novo caminho de reconciliação pacífica dos aparentes opostos. Esse é o Caminho do Meio, em que o respeito à vida prevalece, o caminho condutor a uma nova era de verdadeiro humanismo. Isso corresponde perfeitamente ao significado do nome desta revista: Terceira Civilização."
Texto, material de estudo do Bloco Parc Des Prince, da BSGI, Barra, RJ
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