Budismo
Paixão e amor
(continuação da palestra de Goiânia, out, 2014)
Monge Kômyô: O complexo de tendências da mente de se perder em projeções passionais não é pequeno. Até porque a nossa vida infelizmente é construída a partir desse tipo de interpretação das coisas. Vivemos num mundo em que a excitação é o norte, não é? Tem que haver algo que puxe a gente. Eu às vezes ouço muitas pessoas falando que elas viram alguém muito bonito ou muito bonita e está morrendo de amores por aquela pessoa. Uma coisa muito comum entre nós é confundir paixão com amor. A paixão é um impulso, não é? É um momento em que nossa mente entra em contato com algo que excita, causa desejo, causa expectativa de experiências excitantes. Criamos uma identificação, um apego, projetamos expectativas e formamos a paixão. O amor é uma experiência de integração e de contato, de troca, de grande capacidade de reinvenção todos os dias, de uma convivência. E o amor, o amor mesmo, por pessoas, ele não acaba, pode ser até que você se separe da pessoa por algum motivo, por circunstâncias, mas se há amor ali, sempre vai haver um vínculo.
Você nunca vai dizer daquela pessoa: ‘ah, eu odeio ela agora, ela é horrível”. Se você diz isso é porque nunca houve amor, “eu amava ela antes, mas agora”... Entenda que o que eu digo é que o contexto da experiência amorosa é algo que por sua própria sutileza, transcende circunstâncias ou possibilidades de convívio. É muito estranho falar assim, não é? E a gente imagina como é possível você amar alguém e de repente não conseguir por exemplo, mais viver com aquela pessoa, por circunstâncias, dificuldades. Mas a experiência de amor é algo mais profundo, daí que, a experiência amorosa, dificilmente é uma experiência egoísta. Então, você não ama uma determinada pessoa, você simplesmente ama, você é capaz de amar. Aí você convive com uma pessoa e se entrega a ela e tem relações ótimas de convívio, diálogo, amizade, e você diz: eu amo essa pessoa. Mas o amor em si é uma experiência ampla. E a experiência amorosa reflete o conceito da experiência contemplativa de ser integrativa, de ser inclusiva.
Então a experiência contemplativa determina que, mesmo diante de circunstâncias inesperadas, você não entra em conflito, você consegue lidar, trabalhar com a sua mente, mantê-la equilibrada e tranquila. Então, isso significa também não entrar em conflito com os mosquitinhos, é respeitá-los e não querer matá-los. Sobre o contexto fundamental da experiência contemplativa, eu amo os mosquitos, e tento afastá-los da minha cara, mas eu amo os mosquitos.
Temos aqui, a base da não-violência no budismo, que um tema, aliás, muito difícil. Eu já dei ao longo dos anos algumas palestras sobre não-violência e não teve uma única palestra dessas que não tivesse sido difícil. Muitas pessoas têm dificuldade de entender esse conceito de não-violência. Eu não sei como é aqui em Goiânia, mas eu sou do Rio de Janeiro, uma região com vários exemplos de violência, aspectos tristes. Mas a questão não é de não-violência apenas, é tudo. É conseguir colocar a nossa mente de forma que ela possa se integrar, compreender e descobrir meios adequados para lidar com todas as coisas. Daqui a pouco a palestra termina, nós vamos sair daqui e os mosquitos vão ficar por aqui. Se eles se tornarem excessivos, muito intensos, não tem problema, vamos terminar a palestra aqui, e vamos para outro lugar mais confortável para continuar, nenhum problema. Não há problema! Não é necessário se aborrecer, criar conflitos na pretensão que vai resolver a questão. E isso não é algo que possa ser feito com a gente se obrigando a fazer. É preciso surgir isso na nossa mente, daí vem o tempo e o esforço. (continua)
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