Budismo
Sobre o Capítulo XX - Bodhisattva Fukyo (不軽菩蓮, Jamais Desprezar)
Quando estava eu principiando como membro da ordem na qual desenvolvo minhas práticas, ouvi de um dos reverendos um relato que realmente me impressionou, ele na época com muita dificuldade de expressão devido a seu pouco domínio do português, nos contava seriamente, mas de forma muito engraçada certos fatos que ocorreram com ele na época de estudante, três episódios ficaram bem marcados em minha memória: o primeiro foi de quando iniciou seus estudos para formar-se sacerdote e logo perguntou a seu mestre
"– Mestre quando posso começar a propagar? ao que respondeu seu mestre – Quem sabe daqui a cem anos."
Outro foi o de uma noite em que os Senpais (que são os estudantes "veteranos", superiores dos shamis "os noviços principiantes") colocaram todos os estudantes do dormitório, desse hoje reverendo, em Seiza (posição na qual se permanece de joelhos no chão, sentado sobre a planta dos pés ou calcanhares) no corredor do alojamento, durante toda a noite, com seus Koromos (suas vestes negras) dobrados sobre seus braços estendidos em frente ao corpo, pois um deles havia dobrado de forma descuidada o seu Koromo.
E também a disciplina que lhes era imposta quando principiantes, que era “varrer e cumprimentar em gasshô, varrer e cumprimentar em gasshô...”
Hoje francamente entendo o porque da necessidade de tudo isso e muito mais, na formação de um sacerdote, é realmente para infundir-lhes o espírito de humildade e perseverança.
E que melhor exemplo nós temos de que esse é um dos caminhos mais simples e seguros para atingirmos a iluminação, do que o do vigésimo capítulo do Sutra de Lótus, no qual Buddha Shakyamuni nos relata a história do Bodhisattva Fukyo (不軽菩蓮, Jamais Desprezar) a qual nos fala de um monge que não devotava o seu tempo à leitura ou recitação dos sutras, mas perseverou com humildade durante toda sua trajetória de vida como monge, e mesmo sob agressões verbais e físicas sempre saudava a todos, sem exceção, humildemente em gasshô dizendo “Respeito profundamente todos vocês e não ouso desprezá-los. Por quê ? Porque são todos praticantes da Via do Bodhisattva e atingirão o estado de Buda” (我深敬汝等。不敢軽慢。所以者何。汝等皆行菩薩道。当得作仏。ga jin kyo nyo to. fu kan kyo man.sho i sha ga. nyo to kai gyo bo satsu do. to toku sa butsu) e isso, conforme nos é relatado no mesmo capítulo, concedeu a ele o acesso ao sublime caminho, pelo qual foi possível atingir a iluminação e o mais impressionante ainda ali relatado é a afirmação do Buddha Shakyamuni, de que o Bodhisattva Fukyo não era senão Ele próprio, em um de seus muitos renascimentos.
Aqui está a narrativa completa desse capítulo, traduzida por Burton Watson, para o ingles a partir do original em chines clássico (a versão de Kumarajiva ,*344 +409 da E.C.), e para o portugues por João Rodrigues:
"O Maravilhoso Dharma do Sutra da Flor do Lótus"
Capítulo Vigésimo
O Bodhisattva Nunca Desprezando 229
"Após o original Tathagata Rei Assombroso Som ter passado à extinção e ter passado também a sua Lei Correcta, no período da sua Lei Adulterada, monges de grande arrogância detinham grande poder e autoridade. Existia então um monge bodhisattva chamado Nunca Desprezando. Ganhador de Grande Autoridade, porque razão era ele chamado Nunca Desprezando? Este monge, perante quaisquer pessoas que encontrasse, quer se tratasse de monges, monjas, leigos ou leigas, prostrava-se reverentemente e dirigia-lhes palavras de louvor, dizendo, "Tenho por vocês profunda reverência, nunca vos tratarei com desprezo ou arrogância. Porquê? Porque estão todos a praticar a via do bodhisattva e seguramente alcançarão o Buddhado." "Este monge não devotava o seu tempo à leitura ou recitação de escrituras, mas simplesmente fazia vénias perante as pessoas. E se calhasse de ver algum dos quatro tipos de crentes à distância, dirigia-se a ele propositadamente, curvava-se reverentemente e proferia palavras de louvor, dizendo, "Nunca me atreveria a depreciar- vos porque decerto alcançareis o Buddhado!" Entre os quatro tipos de crentes existiam alguns que se enfureciam pois as suas mentes eram impuras, e falavam mal dele e amaldiçoavam- no, dizendo, "Este monge ignorante de onde vem ele, atrevendo-se a declarar que não nos desprezaria e conferindo-nos profecias de que alcançaremos o Buddhado? Não nos interessam estas profecias vãs e irresponsáveis!" "Muitos anos passaram desta forma, durante os quais este monge era constantemente sujeito a ofensas e insultos. Ele não se enfurecia, antes dizia sempre as mesmas palavras, "Certamente alcançareis o Buddhado." Quando falava desta forma, alguns de entre o grupo pegavam em paus e pedras e batiam-lhe e apedrejavam-no. Mas mesmo quando fugia e ficava a alguma distância, continuava a falar-lhes em voz alta, "Nunca me atreveria a depreciar-vos, pois certamente alcançareis o Buddhado!" e por ele dizer sempre estas palavras, monges, monjas, leigos e leigas arrogantes deram-lhe o nome de Nunca Desprezando. "Quando este monge estava a ponto de morrer, ouviu no céu dez mil, vinte mil, um milhão de versos do Sutra do Lótus que havia sido pregado anteriormente pelo Buddha Rei Assombroso Som, e foi capaz de aceitar e abraçar todos esses versos. Imediatamente ele obteve o tipo de purificações das faculdades da vista, nariz, língua, corpo e mente acima descritas. Tendo obtido esta pureza das seis faculdades, a duração da sua vida foi aumentada em dois mil nayutas de anos, e ele foi então pregar o Sutra do Lótus às pessoas. "Então, quando os quatro tipos de crentes que eram arrogantes, os monges, monjas, leigos e leigas que tinham despreciado este monge e lhe dado o nome de Nunca Desprezando quando viram que ele tinha ganho grandes poderes transcendentais, o poder de pregar com 230
agradável eloquência e o poder da grande benignidade e tranquilidade, e quando ouviram o que ele pregava, tiveram todos fé nele e tornaram- se seus seguidores. "Este bodhisattva converteu uma multidão de milhares, dezenas de milhar, milhões, fazendo com que alcançassem anuttara-samyak- sambodhi. Após a sua vida ter chegado ao fim, foi capaz de encontrar dois mil milhões de Buddhas, todos com o nome Brilho do Sol e da Lua, e sob a égide da Lei destes Buddhas pregou o Sutra do Lótus. Através das causas e condições assim criadas, foi capaz de encontrar dois mil milhões de Buddhas, todos com o nome Rei Lâmpada da Nuvem da Liberdade. Sob a égide da Lei destes Buddhas ele aceitou, promoveu, leu, recitou e pregou este sutra para os quatro tipos de crentes. Por esta razão obteve a perfeição dos seus olhos comuns e as faculdades dos seus ouvidos, nariz, língua, corpo e mente foram igualmente purificadas. Entre os quatro tipos de crentes ele pregava a Lei com a mente livre de temor. "Ganhador de Grande Autoridade, este Bodhisattva e mahasattva fez desta forma ofertas a um vasto número de Buddhas, tratando-os com reverência, honrando-os e louvando-os. Tendo plantado estas boas raízes, foi capaz de encontrar posteriormente mil, dez mil, um milhão de Buddhas e sob a égide da Lei destes Buddhas pregou este sutra, obtendo benefícios conducentes ao Buddhado. "Ganhador de Grande Autoridade, o que pensais? O bodhisattva Nunca Desprezando que viveu nesse tempo será ele desconhecido para ti? De facto, esse bodhisattva era eu! Se nas minhas prévias existências eu não tivesse aceitado, promovido, lido e recitado este sutra e o pregado para outros, nunca teria sido capaz de alcançar anuttara- samyak-sambodhi tão depressa. Porque na presença desses Buddhas pretéritos eu aceitei, promovi, li e recitei este sutra e o preguei para outros , fui capaz de alcançar anuttara-samyak-sambodhi tão prontamente. "Ganhador de Grande Autoridade, nessa altura os quatro tipos de crentes, monges, monjas, leigos e leigas, porque a raiva surgiu em suas mentes e me trataram com desprezo, foram por duzentos milhões de kalpas incapacitados de encontrarem um Buddha, de ouvirem a Lei ou de verem a comunidade de monges. Durante cem kalpas padeceram grandes sofrimentos no inferno de Avichi. Quando terminaram a expiação das suas ofensas, encontraram uma vez mais o bodhisattva Nunca Desprezando, que os instruiu em relação a anuttara-samyak-sambodhi. "Ganhador de Grande Autoridade, o que pensais? Os quatro tipos de crentes que nessa altura desprezaram constantemente o esse bodhisattva serão eles desconhecidos para ti? Eles estão agora nesta assembleia, Bhadrapala e o seu grupo, quinhentos bodhisattvas; Leão da Lua e o seu grupo, quinhentos leigos, todos chegados ao estágio em que nunca regredirão na sua procura por anuttara-samyak- sambodhi! 231
"Ganhador de Grande Autoridade, deves compreender que este Sutra do Lótus beneficia largamente os bodhisattavas e mahasattvas, pois pode levá-los a alcançar anuttara-samyak-sambodhi. Por esta razão, após a extinção do Tathagata, os bodhisattvas e mahasattvas devem, em todas as ocasiões, aceitar, promover, recitar, explicar, pregar e transcrever este sutra." Nessa altura, o Honrado Pelo Mundo, desejando expor uma vez mais o sentido das suas palavras, falou em verso, dizendo: Existiu no passado um Buddha chamado Rei Assombroso Som, de poderes sobrenaturais e sabedoria imensuráveis, liderando e conduzindo todos sem excepção. Seres celestiais e humanos, dragões e espíritos, juntavam-se para lhe darem oferendas. Após a extinção deste Buddha, quando a sua Lei estava prestes a extinguir-se, existiu um bodhisattva chamado Nunca Desprezando. Onde quer que se encontrassem os quatro tipos de crentes, o bodhisattva Nunca Desprezando ia ter com eles dizendo-lhes, "Nunca vos desprezarei, pois estais praticando a via e todos vocês se tornarão Buddhas!" Quando as pessoas ouviam isto, zombavam dele, insultavam-no e amaldiçoavam-no, mas o bodhisattva Nunca Desprezando suportava tudo isto com paciência. Depois de todas estas ofensas, quando estava prestes a morrer, foi capaz de ouvir este sutra e as suas seis faculdades foram purificadas. Devido aos seus poderes transcendentais a duração da sua vida foi prolongada, e pelo bem dos demais pregou este sutra por toda a parte. Todas as muitas pessoas que aderiram à Lei foram ensinadas e convertidas por este bodhisattva, que os fez fixarem-se na via do Buddha. Quando a vida de Nunca Desprezando chegou ao fim, encontrou numerosos Buddhas e por ter pregado este sutra obteve imensuráveis bênçãos. Pouco a pouco alcançou benefícios e depressa completou a via do Buddhado. Nunca Desprezando, que viveu nessa altura, não era senão eu. E os quatro tipos de crentes que então aderiram à Lei, que ouviram Nunca Desprezando dizer, "Vocês tornar-se-ão Buddhas", 232
e que mediante as causas assim criadas encontraram numerosos Buddhas estão hoje aqui nesta assembleia, um grupo de quinhentos bodhisattvas e os quatro tipos de crentes, homens e mulheres de pura fé, que agora na minha presença ouvem a Lei. Em anteriores existências eu encorajei estas pessoas a ouvirem e aceitarem este sutra, o supremo perante a Lei, expondo-o, ensinando-o às pessoas, e fazendo-as alcançar o nirvana. Assim, em era após era, eles aceitaram e promoveram escrituras deste tipo. Múltiplos milhares de milhões de kalpas, um período de tempo inconcebível, passou antes que se pudesse finalmente ouvir este Sutra do Lótus. Múltiplos milhares de milhões de kalpas, um período de tempo inconcebível, passou antes que os Buddhas, Honrados Pelo Mundo, pregassem este sutra. Por isso os seus praticantes após o Buddha se ter extinguido, quando ouvem um sutra como este não devem dar lugar a dúvidas ou perplexidades mas devem com uma mente concentrada, pregar este sutra por toda a parte, era após era encontrando Buddhas e completando rapidamente a via do Buddhado.
Nessa altura o Buddha disse ao Bodhisattva e mahasattva Ganhador de Grande Autoridade : "Deves entender isto. Quando os monges, monjas, leigos e leigas promovem o Sutra do Lótus, se alguém falar mal deles, os insultar ou caluniar, sofrerá uma retribuição severa pelo seu crime, tal como anteriormente expliquei. Expliquei também os benefícios ganhos por aqueles que promovem o sutra, nomeadamente, purificações dos seus olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. "Ganhador de Grande Autoridade, Há muito tempo atrás, há um imensurável, ilimitado, inconcebível número de asamkhyas de kalpas no passado, existiu um Buddha chamado Tathagata Rei Assombroso Som, merecedor de ofertas, de conhecimento recto e universal, clarividência e conduta perfeitas, bem sucedido, compreendendo o mundo, inexcedivelmente meritório, instrutor de pessoas, mestre de seres celestiais e humanos, Buddha, Honrado Pelo Mundo. O seu kalpa chamava-se Isento de Decadência e a sua terra Feito Grandioso. "Este Buddha Rei Assombroso Som, durante a época em que viveu, pregou a Lei para os seres celestiais, humanos e asuras. Para aqueles que procuravam tornar-se ouvintes ele respondia pregando a Lei das Quatro Nobres Verdades de modo a que pudessem transcender o nascimento, a velhice, a doença e a morte e eventualmente alcançarem o nirvana. Para aqueles que procuravam tornar-se pratyekabuddhas ele respondia pregando a Lei dos Doze Elos Interligados de Causalidade. Para os bodhisattvas, como meio de os conduzir a anuttara-samyak-sambodhi, respondia pregando a Lei dos seis paramitas de modo a que pudessem eventualmente ganhar a sabedoria Búddhica. "Ganhador de Grande Autoridade, este Buddha Rei Assombroso Som teve uma duração de vida de kalpas iguais em número a quatrocentos mil milhões de nayutas de grãos de areia do Ganges. A sua Lei Correcta permaneceu no mundo por tantos kalpas quantas as partículas de pó existentes num jambudvipa. A sua Lei Adulterada permaneceu no mundo por tantos kalpas quantas as partículas de pó existentes nos quatro continentes. Após este Buddha ter terminado de conferir grandes benefícios aos seres viventes, passou à extinção. "Após a sua Lei Correcta e a sua Lei Adulterada terem chegado ao fim, um outro Buddha apareceu na mesma terra. Também ele foi chamado Tathagata Rei Assombroso Som, merecedor de ofertas, de conhecimento recto e universal, clarividência e conduta perfeitas, bem sucedido, compreendendo o mundo, inexcedivelmente meritório, instrutor de pessoas, mestre de seres celestiais e humanos, Buddha, Honrado Pelo Mundo. Este processo continuou até vinte mil milhões de Buddhas terem surgido um após o outro, todos com o mesmo nome.
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